Poemas

Eduardo Borges


Pelo carro -
na turbulenta
tarde -
misturo meu
sangue às ruas
reluzentes
do sol imposto
na umidade da pele
Sou eu parado em
movimento nos
quadrantes
pintados dos becos de pedra
Em estradas que
não levam e não
trazem – descaminhos -
há/sombras/sobre/tudo/se/é/que/algo/é/existente
Ando em velocidade.
Tanta pressa!
Pelo carro,
através do vidro,
mesclo-me ao asfalto,
separado de cada corpo
de cada alma e pedra e beco,
duvidando da possibilidade,
do provável, de mim mesmo,
dos sinais da cidade e
das ondulações abruptas.
- as águas da chuva morna
- o calor torpe e doentio
- meus pés que se alongam no escuro da noite,
para longe dos pensamentos.
Vida, morte, continuidade.


teresina, 18.04.2011




Blog do Eduardo Borges:  


http://biografiadoluto.blogspot.com/








ManuUckermaann 


FUI NO SUPERMERCADO


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um livro ( A dama das camélias )
uma revista capricho
leite condesado
Kapo
Sanduiche Vegetariano
Danoninho
arroz
REPELENTE
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biscoito recheado
uma tesoura
lentilha
milho
Sabão em pó
mortadela
camisinha
chantilly
UMA REVISTA DO RBD
UM FIO DENTAL
um kilo de Cenoura...
sabonete
um caderno
Farinha de trigo
DVD Virgem
Coca-Cola
fanta
Uva
Bolacha
DVD - MTV na estrada Mamonas Assassinas
Requeijão de chadeer
Album de figurinha
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Bis
Absorvente
Panettone
Mata insetos
batom garoto
Colomba pascal
fandangos
Água tônica
Fralda
Amendoim
Lâmpada
Câmera digital
Leave-in
Pen drive
Toalha
Edredom
DVD RBD Hecho en España









Eduardo Minc


ACHOU QUE EU NÃO SABIA FALAR 

DE MELANCOLIA? ERROU FEIO...



Hoje eu esbarrei
no despertador
fake, de 1,99,
que eu brinco
com os sabichões:
"Aí, é design estilizado.
Achei num Brechó
em Berlim, lá
dos tempos da Bauhaus"
E aí o bobalhão
cala a boca.
É fácil enganar as pessoas,
né merrrrrrmo.
Difícil é viajar pra dentro
Porquêfugir de si mesmo,
pode não.
Bob Marley, entre um trago e
e um banho com cinco litros de
xampus,
já dizia algo assim.
Mas hoje acordei,
meio assim,
Como quem se
perdeu na Pensilvânia.
Aí virei pra cabeceira
ao lado,
e dei um sorriso de
covinha....
prum
boneco do Ganesha.
Joguei longe o "Amor Líquido"
Junto com tantos outros "Líquidos",
do Bauman.
Pô,
Minha lágrima desceu pesada
e machucou meu pé.
O esquerdo.
Eu hoje acordei com
os dois pés esquerdos.
Mas ok, fui puxar ferro,
como quem queria empurrar
o mundo.
Um Átlas sem referência.
mas que tem uma dor
profunda e indivisível,
entre a L2 e a L3
da coluna lombar
e do espírito,
à mercê das fases
da lua.
Às vezes dá um cansaço, né?
E ninguém pode atestar
Se o meu é maior que o
teu e vice-versa.
Ou eu tô errado?
O Menino do Rio,
Haha, já era.
 desaguei no mar
e mesmo nadando bem
Hoje só de cachorrinho.
Talvez o Noelzinho,
Meu personagem
e único a quem ainda me
atrevo a chamar de
amigo.
Mas um vento frio,
 entrou,
sei lá por onde,
me fez ver no chão,
um bilhete
simples como a
vida devia ser.
Devo ter guardado
num dia de semana
qualquer.
Um papel vagabundo,
que fica embaixo do
Ganesha,
lembra?
"Eduardo me chame quando
acordar que eu quero fazer
o café.
Mãe"
Mas hoje, se eu ligar antes do meio-dia,
ela fica braba.
Ela merece um descanso.
Eu mereço um descanso.
E, diz aí....
Quem de nós não merece?








Abreu Paxe

asuen aryan, a valsa

tatuada: esferas semânticas apenas
lentos idiomas,
trocados espaços o tempo das coisas
o mundo todo nesta cidade
assim na poltrona a sentinela outro texto
impaciente molda a função
vertical o espelho, colchões na estrutura
pétalas, gaivotas, mútua tipóia
ninho molhada alvorada



de certo modo os destroços palavras

de igual modo as partículas invariáveis traços lábias
sempre há uma mulher no mal
por isso trepo meu olhar pelas aredes e pelo tecto
o último cruzar de pernas
zona prestigiada o eixo compreendia o acento de intensidade
junto todos os sentidos no modo algum tempo exacto
sem esquecer na via erudita expressão
o étimo uma mesa com o portal aberto
outro reino de certeza
a comunicação oficial adoptou o berço língua lençol
tanto tempo sonorizado
estava inscrito nas fronteiras este período
das alíneas funções sintácticas
diferenças dos pares vocabulares
nascem outras partículas variáveis destroços




Abreu Castelo Vieira dos Paxe, nasceu em 1969, no Colonato do Vale do Loge, Província do Uíge, filho de operário e de mãe doméstica. Venceu o concurso Um Poema para África em 2000, e foi animador do Cacimbo do Poeta na sua 3ª. edição, atividade organizada pela Alliance Francisco por ocasião da dia da África. Figura na Revista Internacional de Poesia “Dimensão n. 30 de 2000, na antologia dedicada à poesia contemporânea de Angola, editada em Uberaba, Brasil. 
 


Jean Baudrillard


o anjo de estuque








IV
A água é tão clara
que aceita o jorro
dos bichos.
Tudo é exato
ou avivado
em cena
não longe da compreensão humana
ou sob a foice
sob a cinza
sob as águas-mães.
Os músculos estriados
inervam o chão
revirado. Até a água
tem a inervação
do teor do mal.
E nada é separado.
Tudo é exato como
o sangue sob as unhas.
Assim se alternam
as coisas imaginadas
que circundam seu
próprio vazio, onde reluz
imersa como
cadeira a espada
gestual do
Sol.


VI

O avesso do céu
gravado em cobre
e desensolarada a própria água
entre o fim da feira
e o mercado de flores
quando ultrapassamos a imagem
uns dos outros
olhos abertos – mas
sem quebrar a simetria
no entanto
o brilho dos olhos vem
do jogo das idéias contrárias e
da incerteza da vontade, e
se desde cedo nossos sonhos
nos forem explicados – para que
andar a noite inteira?
Até as mais frágeis meninges
das árvores, dos degraus,
de perto ou de longe
é a fidelidade de um só
ou no fingidor, o inverno,
a vergonha feita da
maciez de um corpo
estranho.
Escorcioneiras genitais
e perfumadas
do desejo
a ave sinclinal chama
com seu guincho de harpia
anticlinal da
floresta.


VIII

Em cena ou
sob paredes violentamente
iluminadas
mas contidas
e preservadas,
sem nunca tocar o chão
peripécia animal – leveza
peripécia mental – a dança
e as batalhas
nem vitória nem derrota,
a guerra é isso,
e as espirais dos ladrilhos
são essas
de todo jeito – mas
fogem por baixo delas como
um sonho alternativo
cursivo ou discursivo
as linhas de fuga
as superfícies planas
a carne crua, se balança
entre lanternas gêmeas.
E a luz é tão fria
que distingue vinho
e água
num só copo.
São as andorinhas que
voltam de onde vêm.
E o fogo se apaga lentamente
como um fogo que
se apagasse lentamente.


X

Um relógio sem ponteiros
impõe o tempo
mas deixa adivinhar a hora.
A escuridão é simples ou
a contraditória
das cortinas verdes.
A água é macia ao toque
qual morte natural.
Exterior morno é
o alburno dos freixos e
o papo dos galos
friável sob os dedos
e translúcido
sob as pálpebras da máscara
como os élitros das borboletas
mortas – mais morno que
as estratificações interna das íris
o humor vítreo
dos olhos –
quente e assexuada
a noite
qual olho sem cílio
qual janela sem hera
nua e assexuada
a superfície do solo
livre da quadratura das paredes.

XII

Amarga
nas mãos enluvadas
a luz artificial
o Norte
mas um grito único, a infância
parece garganta nua
o Oriente
a sede e
a satisfação da sede
o calor inteiro
a aberração das forças
o meio-dia do verão –
mesmo vazia a cena conserva
uma saída possível –
no entanto interna é
a falível
sem pensar, e o vento
doce, rente às paredes,
a si mesmo – elasticidade
como por um vidro escuro
desafinado
ou trôpego
o Ocidente
brinquem gritem
nossas unhas são tão grandes
que os quatro cantos do céu
grudam nelas como terra
cavada – e
nem chão nem céu, mas quis
o sol de fora
não só os gestos são
calculados, as próprias mãos
têm ciúmes
uma da outra.


tradução de Cristina Abruzzini Werneck Lacerda
e Adalgisa Campos da Silva


JEAN BAUDRILLARD é professor de Sociologia na Universidade de Nanterre I, editor da revista Traverses e um dos maiores pensadores da atualidade. Seu livro mais conhecido – Simulacros e Simulação – foi uma das inspirações para o filme Matrix. O Anjo de Estuque (L´Ange de Stuc) é seu único livro de poemas e, juntamente com as fotos que ilustram este número da revista Confraria, está sendo lançado pela primeira vez no Brasil numa belíssima edição da Editora Sulina.