sexta-feira, 20 de outubro de 2017


O velho 

I

De tudo – o que sobra.
E é pouco.
O que sobra é o fato.
E o fato é oco
frio.

II

Nestes dias de guerra cerrada,
prosseguir é o de menos, o nada.
E o voltar é, em si, tão obtuso
que o parar é, por si, um consolo.
E não consola.
Hemos tido por certo o errado
(Já que o errado é a pausa, a metade
– sem tropeço – do que há de ser feito)
e o silêncio em tornado palavra
ordenou a parada: o que basta.

III

Pois o velho (idade incerta
beirando o sossego), seguiu.
No chão que beijou
no pó que comeu
no mijo bebido – houve em certo seguir
       semi-erguido
e encascar-se no meio da estrada
sem saber IR ou RIR.

IV

Daí :
donde em sendo o meio a parada à vista
e o regresso ilógico
e o processo absolutamente impossível,
o velho ficou.
Como o vento e o pó.
(Como o chão).


TORQUATO NETO


Foto: Universidade Estadual do Piauí

quarta-feira, 4 de outubro de 2017


AFINAÇÃO DA ARTE DE CHUTAR TAMPINHAS

Há algum tempo venho afinando certa mania. Nos começos chutava tudo o que achava. A vontade era chutar. Um pedaço de papel, uma ponta de cigarro, outro pedaço de papel. Qualquer mancha na calçada me fazia vir trabalhando o arremesso com os pés. Depois não eram mais papéis, rolhas, caixas de fósforos. Não sei quando começou em mim o gosto sutil. Somente sei que começou. E vou tratando de trabalhá-lo, valorizando a simplicidade dos movimentos, beleza que procuro tirar dos pormenores mais corriqueiros da minha arte se afinando. Chutar tampinhas que encontro no caminho. É só ver tampinha. Posso diferenciar ao longe que tampinha é aquela ou aquela outra. Qual a marca (se estiver de cortiça para baixo) e qual a força que devo empregar no chute. Dou uma gingada, e quase já controlei tudo. Vou me chegando, a vontade crescendo, os pés crescendo para a tampinha, não quero chute vagabundo. Errei muitos, ainda erro. É plenamente aceitável a ideia de que para acertar, necessário pequenas erradas. Mas é muito desagradável, o entusiasmo desaparecer antes do chute. 

JOÃO ANTÔNIO 


segunda-feira, 2 de outubro de 2017



PONTO DE BALA

os mortos tecem considerações
os tortos cozem quietos
as crianças brincam
e bordam desconsiderações


CHACAL


Pintura de Manzur Kargar