segunda-feira, 25 de setembro de 2017


GWYRÁ MI (O PASSARINHO)

GWYRÁ MI MINHÃ
GUVIXA NHEÊ
OMBOAJE VYVE
KOÊJU MA REXAVYVE
OVE OVE VE
JAVY JAVYARE
GWYRÁ TUKANJUÍ
OGWUE OGWEI
NHANDERU
NHANDERU
OEJA VAÊQUE
JARQUE

O PASSARINHO OBEDECE AO CHEFE
VOA ALEGRE AO NASCER DA MANHÃ
QUANDO NÓS ACORDAMOS
O PASSARINHO AMARELINHO
VOANDO DE ÁRVORE EM ÁRVORE
NHANDERU, NHANDERU QUE CRIOU
CONSIDERE ISTO.


quarta-feira, 20 de setembro de 2017


O RELÓGIO

Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.

Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.

Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;

e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Pintura: A cobra na caixa de ANTONI TÁPIES

sexta-feira, 15 de setembro de 2017


RECADO 

Os dias, os canteiros, 
deram agora para morrer como nos museus 
em crepúsculos de convalescença e verniz 
a ferrugem substituída ao pólen vivo. 
São frutas de parafina 
pintadas de amarelo e afinadas 
na perspectiva de febre que mente a morte. 

Ao responsável por isso, 
quem quer que seja, 
mando dizer que tenho um sexo 
e um nome que é mais que um púcaro de fogo; 
meu corpo mutilado em fachos. 
Às mortes que me preparam e me servem 
na bandeja, 
sobrevivo, 
que a minha eu mesmo a faço, 
sobre a carne da perna, 
certo, 
como abro as páginas de um livro 
e obrigo o tempo a ser verdade.


FERREIRA GULLAR

Arte: Edvard Munch

quinta-feira, 14 de setembro de 2017


ARPEJOS

Acordei com coceira no hímen. No bidê com espelhinho examinei o local. Não surpreendi indícios de moléstia. Meus olhos leigos na certa não percebem que um rouge a mais tem significado a mais. Passei pomada branca até que a pele (rugosa e murcha) ficasse brilhante. Com essa murcharam igualmente meus projetos de ir de bicicleta à ponta do Arpoador. O selim poderia reavivar a irritação. Em vez decidi me dedicar à leitura.
ANA CRISTINA CESAR

quarta-feira, 13 de setembro de 2017



NOTHING

Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um para-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipoias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.


PAGÚ (Patrícia Galvão)

quinta-feira, 7 de setembro de 2017



VOLTA

Quando estive em poesia
Visitei um não lugar
Um sonho refinaria
De prosaicos de pesar

O banal é refinado
Em leveza e lucidez
O reverso é revelado
Os clãs encontram as greis

A mágica e a alquimia
São línguas oficiais
Até quem não crê cria
Lá onde o sempre jamais


 Cristal vira nuvem e voa
O Sol namora a garoa
E o choro gargalha também

Tudo te diz imagine
Tudo te pede me nine
Não se pergunta de quem


 Vive-se a vida na flauta
Não se sabe o que é falta
Mas sabe-se o gosto que tem

Eu voltei estupefato
Com olhos de iluminura
Nem precisa de futuro
Quem tem assim um passado.


EDUARDO TORNAGHI