quinta-feira, 14 de junho de 2012

Não há carne sem que tenha origem no pó do chão. Por quais trilhas. Aconteceu justo o inexplicado.


ALÊU E A SEREIA (XXV)


Florca+dáver= Nada existe. Que não seja provado na lupa do entendimento. Salvo algumas teorias tântricas sobre a origem da natureza humana. Isto deixa tudo claro, inclusive. Porque a vida em si é removida das moléculas adventícias da terra. Não há carne sem que tenha origem no pó do chão. Por quais trilhas. Aconteceu justo o inexplicado. Um fato isolado naquela guerra aos molambos do comunismo. Uma trégua aos infantes. Onde na delegacia de uma cidade setentrional pernambucana. O intendente conferia as últimas notícias de Salvador. Isto num telefone encardido e de cordão esfiapado. E replicou que o Delegado Tião Malasartes acabava de ser preso. A tropa legalista parou para tentar entender. Fone lá e fone cá. Quando o comandante geral da tropa, um tal Silvinho Dantas, reuniu todos para dar a notícia do encarceramento do Delegado Tião, mas que não era nada de problema político. Pois o Malasartes foi pego em artes de putaria dentro do necrotério de Salvador. Ele estava ali, naquele ambiente nefasto, comendo uma mulatinha defunta que era afilhada de um Coronel de respeito. Tempos depois tudo se saberia. Porque desde longe, ainda em São Paulo, o Delegado Tião Malasartes reinava em seu vício, impunemente. Seu codinome de azucrinação, em Sampa, era Borracha. Pois esse dito Borracha, o Malasartes, que viria a ser um muito respeitado Delegado de Polícia na Bahia. Ao de longe, entretanto, era dado ao borrão de um vício amargo. Assim no divulgado à boca-pequena. O Borracha viera de São Paulo em regime de afastamento. Ele fora expulso amigavelmente e sequer perdera o cargo na Polícia Militar em função desses descalabros, aliás, dos mais medonhos. É que ele era tarado por um fatídico costume. Prestava-se a visitar necrotérios na intenção de encontrar alguma menina-moça. Uma que fosse recentemente falecida, e então, tomado de ardores pelo anjo morto, perpetrava com ela um ato sexual completo, principalmente com o defloramento de sua vagina angelical. Esse era o vício de Borracha. Andava pela noite paulistana a espera de uma dessas oportunidades. Vampirescamente dado a um ato canibal e facínora. Gastava parte do seu numerário para esquentar a mão de quem estivesse de plantão no Instituto Médico Legal, isto quando havia em depósito ali algum corpo apetitoso. Este furunfo libidinoso era para o Borracha, aliás Tião Malasartes, um acontecimento único, sideral, incomensurável. Longe de lhe parecer um ato de horror, a posse de uma flor-cadáver era, para ele, revestida de vida, graça e novidade. Para o ato em si, escorriam-lhe apetites da alma tal uma fonte inesgotável. Até que, numa dessas pervertidas orgias, o Borracha topou com o corpo de Mila. Esta sendo uma cândida e formosa virgenzinha de dezesseis anos. A menina Mila era loira desde o pentelhos do púbis até os cachos de cabelos, os quais rodeavam seu rosto santificado como uma bela moldura. Pois, à vista de tão arrematado pitéu, o Borracha tornou-se um devorador. Beijava sem cessar o corpo gelado de Mila e adentrou afoito e glutão a inflorescência mimosa da falecida. Ali ele ficou forçando o ato até que se satisfez integralmente. No que ele ouviu um delicado e distante “ai!”, e o corpo frágil da menina escorregou-lhe das mãos. Ato contínuo ele vê os olhos de Mila, meio-a-meio, se abrirem em estertor e depositarem nele um mirar de lascívia, com um sorriso maroto e um último engasgar, donde de sua boca escorria um algo líquido róseo. Borracha agilmente se vestiu e chamou pelo estafeta de plantão, para juntos depositarem o corpo de Mila na gaveta refrigerada do necrotério. E foi quando a menina agarrou-se a ambos e pedia numa última convulsão: “outra vez... outra vez...”. Assim ambos, Borracha e o estafeta, fugiram do necrotério, dando de encontro à outros funcionários que logo descobriram Mila estatelada no chão e vieram a desvendar aquele crime que foi animalescamente praticado pelo Borracha. Assim, após um rumoroso processo, com muitas idas e vindas, Borracha, um criminoso folgazão, mas com as costas quentes, acabou por ser transferido de maneira impune para Salvador. Nesta cidade ele ficou discreto por um tempo. Escondia com zelo a sua mórbida preferência sexual. Mas vício é vício e cedo ou tarde se manifesta. Com isto Borracha logo passa a freqüentar o necrotério de Salvador. Sempre à título de estar procurando por algum indigente meliante. Pois ninguém experimenta uma devassidão com liberdade de escolha de enjeitá-la. Assim Tião Malasartes, o Borracha, voltou à suas atividades de canalha e comedor de anjinhas mortas, até que se defrontou com o corpinho da afilhada de um Coronel. Fato este nos conformes dos autos, agora compartilhado pelo Comandante Silvinho Dantas aos seus comandados. A tropa, aquartelada no sertão pernambucano, dividia opiniões: uns achavam que ele era um filho da puta e outros que se entreter com menina-cadáver era algo até aceitável. Só Alêu não participa da algazarra que se tornou o pretenso julgamento de Tião Malasartes, afinal aquele homem foi seu libertador, e mais que isto, foi mantenedor de seus primeiros aluguéis na pensão e mentor nos dias de seu engajamento aos bons propósitos policiais e direitistas... 

Beto Palaio

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