AFINAÇÃO
DA ARTE DE CHUTAR TAMPINHAS
Há algum tempo venho
afinando certa mania. Nos começos chutava tudo o que achava. A vontade era
chutar. Um pedaço de papel, uma ponta de cigarro, outro pedaço de papel.
Qualquer mancha na calçada me fazia vir trabalhando o arremesso com os pés.
Depois não eram mais papéis, rolhas, caixas de fósforos. Não sei quando começou
em mim o gosto sutil. Somente sei que começou. E vou tratando de trabalhá-lo,
valorizando a simplicidade dos movimentos, beleza que procuro tirar dos
pormenores mais corriqueiros da minha arte se afinando. Chutar tampinhas que
encontro no caminho. É só ver tampinha. Posso diferenciar ao longe que tampinha
é aquela ou aquela outra. Qual a marca (se estiver de cortiça para baixo) e
qual a força que devo empregar no chute. Dou uma gingada, e quase já controlei
tudo. Vou me chegando, a vontade crescendo, os pés crescendo para a tampinha,
não quero chute vagabundo. Errei muitos, ainda erro. É plenamente aceitável a
ideia de que para acertar, necessário pequenas erradas. Mas é muito desagradável,
o entusiasmo desaparecer antes do chute.
JOÃO
ANTÔNIO
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