sexta-feira, 30 de novembro de 2012


E aconteceu dele e o cão, como de costume, adentrarem a Confeitaria do Nestorzinho, que há muito deixara de ser confeitaria para ser um bar e restaurante muito procurado pelos portuários.


ALÊU E A SEREIA (XXVIII)

EiaBALa+COmBala= Usa-se do ácido clorídrico para curar as feridas que saram facilmente pela proteção divina. Quer-se. Aliás, tudo requer algo. Egos são pedintes. Por um naco de pão ou uma tarde no circo. A coleira do desejo aperta com sutilezas. Eis outro exemplo: um cão não aspira muita coisa e fica feliz em conseguir algo. No faro revelador. O esfaimado busca pela sobrevivência. Finda a espera. O cão afim. Seus dentes cravados num osso. A roer esculturas. O cabal período lascivo expõe suas instâncias. Viver é no banal do calendário. Quando a oportunidade distribui sem prescrições. A bula que cura ajuíza o remédio. Logo. Um basta à dita seqüência lógica. Pois. Citações são como um cancro dentro de qualquer estória. Onde, desde Machado, Steiner e Dresser. Mais vale a sentença do que o arrependimento. À frente, nos trilhos. Um encapotado. Hidrófobo. Destino. Reluz. Seu prêmio é a raça humana. E está tudo por esclarecer. Desmoronam os véus. Falou-se em cães. Sendo que daqui para frente se contará porque um cão, o Varuna, viria causar a morte do seu próprio dono, a qual enfureceu todo pelotão da PM de Salvador. O fato tem inicio quando o Sargento Dito Costa, no curso de sua obrigação de dia de Sábado. Que era dar um passeio salutar com o Varuna. E aconteceu dele e o cão, como de costume, adentrarem a Confeitaria do Nestorzinho, que há muito deixara de ser confeitaria para ser um bar e restaurante muito procurado pelos portuários. O Sargento entra e como sempre amarra o Varuna na entrada da Confeitaria, num pé-de-mesa desocupada, na intenção de pedir uma pinguinha e sair de novo com Varuna para a rua. Este seria mais um Sábado sem variantes, não fosse o desenlace de uma estória paralela. Algo, o pivô de tudo, que já estava ardendo em brasas dentro da Confeitaria. Inclusive bem antes de o Sargento Dito chegar. Ocorre que ali um fazendeiro medíocre chamado Coronel Clodomiro estava gritando com o dono da bodega, o Nestorzinho. O assunto deles era da utilidade ou não de manter a Mata Atlântica dentro dos limites de uma fazenda. Enquanto Nestorzinho defendia as florestas, o Coronel Clodomiro defendia o pasto: “Nestorzinho ponha isso na sua cabeça dura... Arvore nem é ser da criação... Não é não... Árvore é um erro da natureza... Árvore só serve para fazer lenha, assim como banha de boi serve para fazer sabão... As árvores da minha propriedade eu vendo todas elas, ou para fazer ripas, ou para fazer palito de fósforo, ou para a fábrica de lixas de unhas... Se é crime matar uma árvore?... Nestor, cê tá bestando comigo?... Crime para mim é a árvore fazer sombra e impedir o capim de crescer... Capim sim é coisa de Deus... E Deus gostava de boi desde pequenininho... O senhor já ouviu dizer que tivesse alguma árvore na manjedoura onde Cristo nasceu?... Não... Pois não é?... Eu nunca li isso na Bíblia... Mas entenda quem for esperto, pois lá já tinha boi admirando o Menino Jesus no berçinho de palha... Lá tinha boi e palha de capim, mas árvore não tinha não... Árvore é tinhosa para não gostar de boi... Árvore, meu filho, não serve para nada... Me fale uma só vantagem de ter "pé de árvore" no mundo... Me fale se tem uma só vantagem!...”. O Coronel Clodomiro estava furioso feito uma cobra venenosa. Especialmente tocado pela aguardente. Era orgulhoso de suas terras serem um imenso capinzal. E não gostava nem um pouco das elucubrações em defesa das árvores nativas. Depois desse bate-boca ecológico. Conhecendo a má têmpera do Coronel, o Sargento Dito, que estava à paisano, pediu sua genebra e ficou distante o quanto pôde daquele papo furado. E estava já para sair quando o Coronel se dirigiu à ele: “e você que está rindo de mim... E não está?... Porque não cria vergonha e aprende que lugar onde entra gente não pode entrar cachorro?... Ademais você é preto... Preto como esse seu cachorro... Isso só poderia mesmo dar em merda... Em mau costume...”. O Coronel nem chegou a terminar a frase, porque o Sargento Dito, irritadíssimo, tentou puxar do seu 38, mas foi de pronto impedido pelos capangas do fazendeiro. Estes, mais ágeis, deram vários tiros no Sargento Dito. Uma cena covarde e deplorável. Vendo aquilo o Varuna ficou possesso, passou a latir feito um demônio, e conseguiu escapar do pé-de-mesa. Mas o Varuna foi também prontamente executado. Tudo num desperdício de balas onde os quatro guarda-costas atiravam ao mesmo tempo. Neste episódio brutal. A Confeitaria do Nestorzinho em breve seria manchete mundial. Pois para ali trafegaram toda imprensa e toda autoridade constituída. A praça, ao derredor da Confeitaria, logo ficaria cercada de mais de cinqüenta carros de polícia. O corpo do Sargento Dito estava mergulhado na mesma poça de sangue do Varuna. Flashes de fotos pipocavam para jornais e revistas. Reunidos do lado de fora, uma confraria de soldados e investigadores, entre eles Alêu, já promoviam um encontro de revide com o tal Coronel Clodomiro e seu conluio de guarda-costas. Assim todos partiriam, sem demora, em direção à Fazenda do Córrego, distante apenas uns quarenta quilômetros de Salvador. Alêu também seguia no meio da soldadesca. Azeitando o trabuco. Todos estavam rezando as balas e recolocando as prometidas nos tambores de seus revólveres ou fuzis...

Beto Palaio

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