sábado, 1 de dezembro de 2012


Tudo naquela ação concorreria para a formatação de um álibi. Para melhor entender a claquete, na placa principal da Fazenda do Córrego a turba de policiais escreveu a frase em letras graúdas: COMUNISTAS!...


Alêu e a Sereia (XXIX)


Caçaa+oSBRUxos= Vejamos os porquês. Resumindo grosseiramente. O facão Guarany quebrou no cabo, na ponta e no meio. Aos brados e traques de pistola. O dia andado. Num mutirão de fazer troar o chão. Por terra, ar e mar. A Fazenda do Córrego foi cercada. O céu que estava encoberto, de um cinza enjoado, amenizava o mormaço. Um pi-pi-pi de corruíras galanteava a cena. Desmisturando tudo, foi combinado assim. Entre eles. O que depois seria transcrito aos repórteres todos. Adotaram a ideia de que estavam agindo nos conformes de uma investigação antiterrorista. O que significava estarem quites com as grandes metas governamentais, e ajuizadas também. Num resumo de sabedoria revanchista. Tudo naquela ação concorreria para a formatação de um álibi. Para melhor entender a claquete, na placa principal da Fazenda do Córrego a turba de policiais escreveu a frase em letras graúdas: COMUNISTAS!... Isto apenas não bastaria para que eles cometessem qualquer exagero? E não? Assim resguardados de qualquer outra hipótese. Já com um brilho de armas à mão, decididos a tudo, pela estradinha da fazenda, eles invadiram a propriedade do Coronel Clodomiro. Um ar de caldo fervente tomava ponto a prenunciar cadáveres. O tã-tã dos passos alertavam os cães da fazenda, os quais latiram assustados. Estes cães, companheiros fiéis, foram os primeiros que se mobilizaram, na guarda do patrimônio, contra o fuzuê da marcha policial. Inevitável seria a incursão dos belicosos. E aqueles leais cães de guarda foram mortos ao rés da poeira. No sofrer das balas, os ganidos deles cortavam a alma. Doloridamente. Logo a seguir vieram as trincheiras dos capatazes. Que os escribas da imprensa, bem depois, fazendo troca-letras com Canudos, os denominariam como “conselheiristas”. A esses homens houve um demorado cerco. Com passos medidos no detrás de uma cerca. No resguardo de um tambor de aço. Ou na beirada de um barranco. E todos atingiram esses jagunços com o apetite de um Nero. Num breve tempo a fazenda ficou destituída de protetores. Após um cotejo de misérias. Numa Sodoma de nunca olharem para trás. A soldadesca brindou a porta da frente do casarão com um ratatá de tiros formidáveis. E adentraram na casa com premissas de quem cumpre um severo mandado judicial de busca e apreensão. O fazendeiro Clodomiro foi logo capturado e apresentado para a soldadesca no lado de fora. Ele estava sem palavras. Branco como uma vela de cera. E ao Coronel Clodomiro foi dado o tempo certo para que medisse os passos entre a porta da casa-grande e o tronco de uma mangueira no quintal. Onde lá. Em breves tiros. Peneiraram a cabeça do fazendeiro com todas as glórias que se presta a um, no normal do que imaginavam que fosse, comunistóide. E esta versão foi editada até no Jornal Nacional: “caiu por terra, no sertão da Bahia, mais um aparelho comunista”. E logo todos esqueceram desta espetacular revanche em memória do Sargento Dito. Todos menos Aleuzenev, que ficou matutando um jeito de cair fora daquele triste ofício de desagravos, capturas e tropas de assalto. Pensou em desistir e desistiu. Conversou longamente com o Major Silvinho Dantas e foi assim alforriado e liberto de suas obrigações com a PM. No que, Alêu, depois da alforria, voltou a andar faceiro pelas ruas de Salvador como se estivesse livre de uma pesada carga. Entretanto. Para ficar mais longe ainda daquele ambiente. Resolveu inclusive mudar-se de Salvador. Visitou amigos na intenção de uma derradeira confraternização. Trocou beijos com Miranda e foi até se despedir de Nazaré. A qual estava com um pouco de febre, achando que era uma simples gripe. Mas isso não impediu que Alêu se escondesse com ela embaixo das cobertas e tirasse um sarrinho com direito a matar toda a saudade acumulada por eles. Mais tarde o Alêu saiu de mansinho, deixando Nazaré adormecida. Um Aleuzenev compenetrado, siso e decidido, passa no apê do Noé, seu cineasta benfeitor. Ali ele apanhou suas roupas e cravou um bilhete cercado de fita durex no espelho do banheiro, onde explicava que a chave estava com o zelador e que ele estava deixando a cidade. No bilhete ele também agradecia pela gentileza de haver usado o apartamento. Só então Alêu foi para a rodoviária e tomou um ônibus em direção à Belém-do-Pará. Ia partir para a Amazônia no intuito de rever Mangagaí. Decidido a buscar seus anseios, mas deixando o mundo policial de Salvador boquiaberto. “Um menino de futuro que deixa as nossas fileiras”. Agora ele estava sozinho nesta decisão. E partia naquele momento, obcecado com o projeto da viagem. Algo feliz como um pássaro posto em liberdade e indo, ripa na chulipa, doido para enroscar-se com outros destinos, em novos meridianos...


Beto Palaio 

Gravura: Rubem Grilo

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