domingo, 17 de agosto de 2014


NÃO APAGUE EM TI A MINHA EXISTÊNCIA

O tempo passa sem resistência. Ao amadurecer do ir. Cascas de nozes a fugir na flutuação. A sombra é placenta do fosforescer. O sol lentamente desaparece em meio aos lençóis coloridos do ocaso. Em tudo uma disfarçada pressa. Na copa das árvores há o gemido das espumas do mar, na pedra o respirar do milho nascido. A pimenta é carvão e arde. O homem é solidão e arte. Sua mão acena enquanto fugimos do tráfego de centenas de carros que nos desafiam. Peixes subindo a cachoeira, com pressa de se extinguirem no parto para renascerem nos ovos.

Chega aqui o primeiro salmão. Vem desde o mar. Ele é frio em sua fuga de pérolas esparramadas. Tão convidativos são os seixos da praia da desova. Friagem que afugenta uma centena de milhas de revoadas de pássaros para outros refúgios. Um canavial de gramíneas cerca o rio do viver salmão. Um giz passa e risca o céu quando escreve o voo de uma abelha que não pousa na flor, apenas voa de volta para a colméia. O salmão espera. Sabe ele limpo de outros salmões que virão. A água nasceu antes do peixe. Ou o peixe nasceu antes da água?

Inebriante. Um pouco elétrico. Outro tanto de embalar. Na luz de aluar solstícios. Revolução não é retaliação, ela é um pouco tesoura, sim, e um pouco cola de benzina. O cio da água gruda na pele do salmão. Todas as estadias são curtas. O aço assado derrete e finda líquido, plagiando águas. Areias. Desenhos de ondas no oculto de reflexos enferrujados. Contra a maré. O rio corre carnes de morder salmões e o braço de mar empresta pálido chupão de vida fruto agasalho da semente ainda por nascer dentro de outro salmão porvindouro.

Você acorda em mim no tapete da sala. Suponho-me peixe em seu corpo de mar. Ao acomodar acomodar-se busca trazer trazer-me para perto de ti assim amo amo-te enquanto beija beija-me. Há uma sílaba molhada dentro do vocabulário que se recusa a nascer. Papa ceia pernas bronzeadas estrela do norte supérfluo querer desistir. Nascer e morrer é lei universal. O tempo em dois dias murcha a rosa. Admite-se vastidões que suplantam o ir e vir. Deito-te deito-me deitamos enfim. O mundo é fatalidade em si mesmo. Ou não vimos ainda. Amor por vir.



Beto Palaio

Arte: Winslow Homer 

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