quarta-feira, 19 de abril de 2017



OS ANTÚRIOS VERMELHOS

1.
hoje sonhei subterrâneos
caminhávamos lento, numa procissão silenciosa
túnel estreito sob a terra úmida

2.
Florinda e Marli arrancaram inteiros
os antúrios vermelhos 
hospedeiros que cresciam entre limos 
nos vãos das paredes antigas 
— mas eram meus! eu grito
grito que ecoa forte, na imensa galeria
meus! meus! meus!

3.
tento replantá-los no chão, num buraco que abro
com minhas mãos
[doem-me as unhas]
mas encontro sob a terra
um gato de cerâmica azul que ainda respira 
me assusto

4.
agora, procuro meus sapatos
[nos meus sonhos, estou sempre descalça
não sei para onde ir]
vejo a casa que um dia foi nossa, na lateral do túnel
como numa janela
mas está vazia, triste, em tons de sépia, úmida 
alguém me diz: — vai, agora é tua!
mas prefiro seguir em frente, tendo a nítida impressão
de ouvir a voz de meu pai, dos tios, de todos 
os fantasmas da casa
a me dizer:- é por aqui! por aqui! por aqui!


NYDIA BONETTI

Arte: Jean-Michel Folon

Nenhum comentário: