quinta-feira, 17 de novembro de 2011




SOLOMBRA


Aquele pequeno restaurante dentro de um hotel, em Copacabana, está praticamente vazio. O incrível. É que. Nem um tubarão-garrafa mamaria tanto quanto Solombra mamou de uísque na noite anterior. Como consequência. Arre, e afia, o fígado, quando ele acordou pela manhã. “Me dá um pingado de pimenta”, ele pediu isto ao garçom, que já se preparava para lhe servir, apesar de ser ainda muito cedo, o café da manhã. Solombra falava em ingerir um copo cheio de pimenta, o que deixou o garçom sem saber que atitude tomar. Solombra então grita com ele: “Haja? Pois, se não haja, osga para você!”. Este improvável cliente lhe arrenega com o sinal característico de desprezo, se exibindo malcriado, ao colocar um braço aninhado no cotovelo do outro braço. Naquele momento ele está péssimo. Disfarçava os arrotos. Olhava para as mesas vazias fingindo ver pessoas conhecidas. “Olá, há quanto tempo, heim?... Como vai essa excelente pessoa?”. Fingia tirar um chapéu que jamais existiu em sua cabeça. Com a perspectiva de alguma influência cósmica. Pode ser que a manhã lá fora estivesse louca. Chovia e fazia sol. Estava calor e ventava frio. Enquanto isto, “valha-me, Deus”, o garçom evitava vir à mesa de Solombra. Achava-o completamente febril e inconseqüente. “Vi a ponta de um revolver sob o paletó dele”, com reservas justificáveis, o garçom temia qualquer loucura vindo da parte de Solombra. Como de fato. Ele estava ali para esperar por uma mulher e matá-la. “Haja o que houver, mato-a, depois eu me entendo com as autoridades... Ademais ela é uma vagabunda... E também, pouco me importa o que aconteça comigo, pois todos têm o direito a um primeiro crime... Isto está escrito na lei”. Logo Solombra faz um sinal para o garçom chamando-o ostensivamente. O garçom enche-se de coragem e chega até sua mesa. Quando se aproxima, Solombra junta dois de seus longos dedos fechados, apontando para si mesmo. O garçom tremia. Claramente não era afeito à violências, muito menos cara a cara com o perigo. “Olha, garçom... Vou lhe pedir uma coisinha... Porque essa cara de espanto, homem?... Escuta... Você conhece a moça sueca do quinto andar?”. Sem esperar resposta, Solombra dá um murro violento na mesa do restaurante e concluí o que quis falar: “pois vou matá-la hoje... Está entendendo?”. Como se fosse uma estória inverossímil que se passa num subúrbio de Chicago, num livro chamado Os Matadores, em complô com outro livro denominado Um País Cheio de Suecos. Naquele restaurante do Rio de Janeiro, um abissal Solombra usa os artefatos que está sobre a mesa para demonstrar sua tática: coloca o açucareiro como sendo ele mesmo, o maioral, deposita na frente do açucareiro um pequeno saleiro para representar a loira sueca e, por fim, põe com cuidado um pedaço de pão entre esses dois itens dizendo que aquilo representava o garçom. “Veja só que lhe explico como faria sua professora primária”, Solombra respira fundo e continua, “esse açucareiro aqui carece de estar perto daquele saleiro ali... Entendeu?... Mas necessita de informações precisas desse naco de pão aqui... Entendeu mesmo?”. Depois Solombra quis saber quem mais estava ali no restaurante. O garçom falou que era o cozinheiro que estava no reservado aquecendo os pratos. “Chame aqui o cozinheiro”, decretou Solombra. O garçom quis rir desse pedido, sorriu na verdade, cumprindo algo dentro dele mesmo, por medo do que lhe ocorresse, ou o respeito que tinha pelas normas do hotel. “Mas, senhor...”, com isto Solombra alisou o revolver, por cima do paletó, como se fosse retirá-lo do coldre. “Sim, senhor...”, completou o garçom e saiu rapidamente em direção ao reservado. Logo ele surge acompanhado de um senhor nordestino, cara de índio, que estava de avental e capuz branco. O cozinheiro esfrega as mãos no avental sem parar e aguarda o Solombra se espreguiçar e depois voltar a sua posição natural na mesa. “O senhor é o cozinheiro?”, e sem esperar pela resposta: “pois bem... Não quero nenhuma conversa aqui dentro a não ser para atenderem a sueca que, pelos meus cálculos, deve estar já descendo pelo elevador... Ela sempre vem tomar seu café quando são sete e trinta em ponto, não é?”. Ambos, cozinheiro e garçom fizeram que sim com a cabeça. “Então faltam apenas dez minutos para a festa...”. Olhando ainda para o cozinheiro, ele pediu um prato rápido: “faça para mim um misto-quente... Com pouco presunto... Ok?”. E continuou ali esperando pela moça sueca que chegaria em apenas nove minutos, aliás em oito minutos, aliás em sete minutos, aliás em seis minutos, aliás em cinco minutos, aliás em quatro minutos, aliás em três minutos, aliás em dois minutos, aliás em um minuto... Aliás, ela não veio hoje... Algo aconteceu que a sueca não desceu para seu desjejum... Solombra nem chegou a tocar no seu misto-quente... Agradeceu resmungando ao garçom e saiu pela porta automática de vidro que se abre quando uma pessoa se aproxima dela... Depois Solombra foi andar pelas ruas de Copacabana, enquanto a loura sueca ainda dormia entre os travesseiros em seu quarto de hotel.


Beto Palaio

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