sexta-feira, 20 de abril de 2012


Domingo no parque: Alêu, Mangagaí e Pedro Henrique Cabilé...




ALÊU E A SEREIA (XIII)



OSOrvete+eAROsa= Alêu, Mangagaí e Selma riram bastante ao saírem da roda-gigante. Ao fundo tocava uma música no serviço de alto-falantes do parque: "amou daquela vez como se fosse a última. Beijou sua mulher como se fosse a última. E cada filho seu como se fosse o único. E atravessou a rua com seu passo tímido. Subiu a construção como se fosse máquina...". Mas nenhum deles estava prestando atenção à música. Alêu, feliz por inteiro, convidou Mangagaí: “venha... Agora vamos à barraca do tiro-ao-alvo... O que?... Você nunca deu tiros de rolha?... Então vai ser a primeira vez... Vou ver se ganho alguma prenda... Se ganhar... A prenda é sua...”. Eles estão andando em direção à barraca do tiro-ao-alvo e Alêu se encontra casualmente com um colega do ginásio chamado Cabilé, e o Cabilé está eufórico: “ei, Alêu... Você escutou a música Construção que eu pedi prá tocar no alto-falante?”. E ele: “pôxa, Cabilé... Eu nem prestei atenção...”. E Cabilé: “não tem problema... Eu ia mesmo pedir para tocarem de novo... Presta atenção agora tá?”. E Alêu: “então tá... Você não quer dar uns tirinhos de rolha com a gente?... Não?... Tá legal, mas se cair um maço de cigarros eu te dou...”. E o outro: “legal... Agora eu vou dar umas voltas por aí... Depois eu peço para tocarem a Construção do Chico Buarque de novo... Vê se fica ligado desta vez...”. E ele: “Tá certo, Cabilé!...”. Novamente às voltas com Mangagaí, Alêu tem agora diante de si uma prateleira cheia de maços de cigarros e caixinhas de fósforos, estes últimos equilibrados sobre cada brinde oferecido, para a tentativa do tiro de rolha. Mangagaí e sua amiga Selma estão ao lado dele, assistindo curiosas, primeiro vêem o Alêu apanhar o projétil de rolha e encaixá-lo no cano da espingarda de pressão... Depois ele mirou e não acertou em nada... Novamente ele apanha a rolha e repete a operação, desta vez acertando num maço de cigarros que girou, mas não caiu no anteparo de lona... Só então ele atirou novamente e conseguiu derrubar uma caixa de fósforos que se equilibrava sobre um elefante de louça... Este prêmio singelo ele ofereceu para Mangagaí, que fica feliz por ter ganho aquela lembrança de Alêu... Um pequeno elefante de louça branca com traços dourados para realçar a tromba, as orelhas e as patas... Um mimo que ela conseguiu guardar dentro da bolsa: “vou guardar com carinho Alêu... Vou colocar entre meus vidros de perfume na penteadeira...”. Depois disso as meninas manifestam o desejo de voltarem para o Convento... O movimento do parque naquele sábado estava acima do normal... E isso estava começando a assustá-las... O parque estava realmente agitado naquela noite... Com pessoas apinhadas no carrossel de cavalinhos... Lotando a roda-gigante... Aglomeradas em frente da barraca da Songa-Monga, a mulher-macaco... Gente esperando para entrarem no trem-fantasma... Todas as alegrias periféricas completam o momento, pois no serviço de alto-falantes do parque tocava uma música do Roberto Carlos: "olha aqui... Presta atenção... Essa é a nossa canção...". Quando... Súbito... De um instante para outro, há policiais para todo o lado e tem início uma correria no meio do povo. Aquilo preocupa até quem está nos limites do parque... Ninguém entendia nada do que estava acontecendo. Foi quando Alêu avistou um enorme cão negro que circulava ligeiro entre os freqüentadores atônitos com aquele corre-corre. Um cão que Alêu conhecia de vista e sabia daquele animal pertencer a um oficial de polícia que morava em sua rua. O enorme cão alsaciano chamava-se Varuna e não parecia estar perdido, muito pelo contrário, andava confiante de que seu dono, o oficial de polícia, estava ali por perto... Logo a algazarra da perseguição chega ao auge, pois há um vulto subindo lépido pelas ferragens laterais da roda-gigante. É um rapaz que está lutando para encontrar um espaço seguro nas alturas. Pouco depois há uma agitação incomum, com gritos de aflição, os quais contribuíam ainda mais para o tumulto geral. Aquele rapaz está pendurado nas ferragens no alto da roda-gigante, após o que se ouviram vários pipocos de tiros e em seguida aquele moço equilibrista caiu, fazendo um barulho de trovão abafado ao bater na base de ferro da roda-gigante. No dia seguinte soube-se que aquele rapaz era um notório subversivo de esquerda, que vinha fugido desde São Paulo, e que caiu aniquilado em solo baiano pelas forças positivas e operantes da direita local. Nos jornais impressos e eletrônicos todos louvavam a atitude firme da ação policial, mas não havia uma palavra sequer em defesa daquele moço desconhecido que morreu crivado de balas e estraçalhado por ter despencado do alto das ferragens da roda-gigante. O trágico fato acabou com o passeio de Mangagaí e ela quis voltar com sua amiga Selma para o Convento. Então Alêu se prontificou em acompanhá-las. Sendo que. No caminho não falaram outra coisa senão do corpo do moço que caiu fazendo um barulho horrível que não saia da cabeça de Mangagaí: “acho que não vou conseguir esquecer daquele barulho tão cedo...”. E depois, durante o trajeto, um pouco para disfarçar sua timidez, Mangagaí falou tim-tim por tim-tim que tinha nascido em Belém–do-Pará e que foi morar uns tempos com seu tio fazendeiro na Ilha do Marajó. Falou que este tio explorava a mata nativa e depois plantava eucalipto e vendia carvão de eucalipto, mas antes vendia carvão de mata nativa mesmo e estava com planos de plantar eucalipto por toda Ilha de Marajó. Também queria espalhar eucalipto por todo o Estado do Pará, pois o Governador do Pará era sócio dele nesse negócio de eucalipto e tinha, assim como o tio, horror a tudo que era flora e fauna nativa da Amazônia. Mangagaí depois falou dela mesma e disse que estava estudando no colégio de freiras, mas frisou muito bem que não iria ser freira de jeito nenhum e que era tudo questão de uma briga que teve com esse tio dela do Marajó, que ele era muito ignorante e que encasquetou de mandar interná-la naquele colégio católico só porque cismou de proibir o namoro dela com certo moço violeiro que veio do sul chamado Celso Branco e que esse moço Celso passou algum tempo no Marajó dando shows junto com um sanfoneiro do Piauí e que depois seu namorado sumiu de não ter jeito de ninguém saber notícias dele. Inclusive o sanfoneiro, amigo desse Celso, desacoroçoado com a situação, foi embora sozinho para Manaus, com a desculpa de que iria tocar num fandango na Festa do Encontro das Águas. Ainda por cima, Mangagaí acrescentou, que estava desconfiada que o tio mandara matar esse seu namorado Celso e acabou brigando feio com o tio que ligou para um deputado amigo dele em Salvador e esse deputado, que ganhava dinheiro também com a derrubada de mata nativa no Pará, arranjou para que ela ficasse internada neste colégio de freiras. “Foi só isso...”. Mangagaí encerrou sua estória e Alêu já segurava em sua mão para confortá-la, pois sentiu uma imensa revolta em tudo o que ela falava. Nisso ouviram algumas trovoadas vindo distantes, lá do alto mar, e ninguém falou mais nada, mas pensaram naquele barulho do corpo caindo da roda-gigante e Alêu tratou de mudar de assunto. Ele marcou de sair com Mangagaí no próximo sábado e foi embora contente para o apê de um amigo que ficava pertinho do Elevador Lacerda. Mas depois cismou de dar uma passadinha no apartamento de Nazaré, para apanhar as suas roupas que lá estavam. Ele também precisava conversar sério com Nazaré, pois já tinha em mente procurar um outro canto para morar... Bastava apenas que Mangagaí, sua nova conquista, dissesse um sim para ele... Um simples sim... E aquela menina, anjo encarnado na Terra, seria inteirinha dele...


Beto Palaio

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