quarta-feira, 29 de junho de 2011

Elizabeth Bishop no Rio em 1954.

Ida à Padaria

Esta noite a lua contempla
a avenida Copacabana
em vez de olhar para o mar,
e as coisas mais cotidianas


são novas pra ela. Debruça-se
sobre os fios frouxos dos bondes.
Lá embaixo, os trilhos se esgueiram
até se fundirem ao longe


(entre carros estacionados
que lembram balões coloridos
já murchos e moribundos);
os fios, pela lua atraídos,


somem numa nebulosa
longínqua. A padaria
está imersa na meia-luz –
estamos racionando energia.


Os bolos, de olhar esgazeado,
parecem que vão desmaiar,
As tortas, gosmentas, vermelhas,
doem. O que devo comprar?


Misturam milho à farinha
e as bisnagas ficam doentias –
pacientes de febre amarela
amontoados na enfermaria.


O padeiro, doente, sugere
“pães de leite” em vez de bolo.
Eu compro, e é como levar
um bebezinho no colo.


Sob falsa amendoeira
uma puta ainda menina
dança um chá-chá-chá, girando
como um átomo na esquina.


À sombra negra do meu prédio
um negro levanta a camisa
pra mostra um curativo
cobrindo negra ferida.


Com um bafo de cachaça
potente feito uma bazuca
aponta a bandagem branca
e me diz coisas malucas.


Dou-lhe dinheiro e boa-noite,
por força do hábito. Ah!
Não haveria uma palavra
mais relevante pra lhe dar?


[Pao+bengala.jpg]

Mais pãezinhos aqui:

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