quarta-feira, 5 de dezembro de 2012


Deu no Pasquim. O Aldir Blanc e o Paulo Francis falaram, “não leu não?”. 

Alêu e a Sereia (XXXIV)

THelonelype+ople= Até Alêu se surpreendia de como passou a perceber as minudencias da recente história do Brasil. E de como ele amadureceu com esse entendimento a ponto de até dar razão àqueles que perseguiram, enquanto parte da milícia, até pouco tempo. Começou a lhe parecer que o povinho político da esquerda eram muito mais brasileiros do que aqueles que governavam o Brasil. Por esses dias Alêu lê também, nos jornais, sobre o novo avanço civilizatório recém chegado ao Amazonas. Um sem fim de grileiros e jagunços cujo lema era floresta abaixo e grama em cima para o boi comer. Fé desvairada no progresso que a motosserra tosa. Qualquer um testemunha o descalabro que se pratica com a floresta. Começou naquela década de sessenta. Minava para todo lado exploradores sem nenhum respeito pela natureza ou pelo direito alheio. Madeireiros temporões, gente que não vale dez merréis de estrume, nas suas ocultáveis ações, fugazes como o besouro da farinha, agindo como parasitas tanto quanto o carrapato e a solitária tênia. Atacando especificamente onde a mata abriga a embuia, o cedro ou o mogno. Para ali faziam vir bulldozers que num instante abriam trilhas vicinais o qual davam passagem para carregadeiras e caminhões-truque. Limpavam aquela área e se mudavam novamente para outro segmento da floresta. Crimes que a lei determina como inocentes quando para usufruto próprio. Esses candangos mambembes. Sem atinarem com responsabilidade ou dolo. Aplicados na esfoliação bem mais danosas do que bilhões de esfaimados gafanhotos e lagartas-saçuranas. Agiam criminosamente na total impunidade. Aqui, ali e acolá. O mundo civilizado pedia. A captura desenfreada por aves, orquídeas e peixes raros. Brazil For Export. Tudo numa liquidação, um bota-fora geral. Ao toque de caixa. Com o ritmo da produção já sendo sugerido. Quando um balcão de comércio era sonhado secretamente por qualquer ribeirinho. O fio do discurso é o mesmo que afia o fio de corte do machado: o desenvolvimento. Das amarguras. Do rala-e-rola. Do caseado e seus abotoados. Dos nichos propícios. Da vida que sai dos trilhos. Da alma cabocla, falsa sendo, que é a predisposição ao clássico entreguismo. Caluda! A Amazônia morre em silêncio. O motivo é que. Em tempo de guerra as musas silenciam. Ou porque a TV mudou de tema. E a notícia envelheceu. Mesmo sentados na calçada. Telespectadores usam a tevê como fenômeno do eletrônico e da ótica. E quem é que sabia? Que a tevê está aí somente para silenciar os pensamentos? Deu no Pasquim. O Aldir Blanc e o Paulo Francis falaram, “não leu não?”. A graça difícil exige um sacrifício maior. Alêu relembrando de seus suplícios de quartéis e fardas cáquis. Tomou um caderno brochura de cem folhas e uma caneta Bic preta de escrita fina: “descrever, para mim, é como colocar meu pensamento no sol da manhã”. E foi no fácil. Alêu dos espíritos. Rememorando e sendo acompanhado por uma vontade louca de sair por aí guerreando em favor desse nosso Brasil. Anotados fartos. Se alguém não cuida do que é seu. Heim? Quem vai cuidar? Alêu passa até a dar razão ao Capitão Lamarca. “Será que estou me comunistando também?”. Mas foge de pensar nessa linha. Agora é o Brasil das águas paradas que lhe atenta a cabeça. Depois das bugigangas feitas com sementes da floresta. O uirapuru empalhado e as borboletas emolduradas. Peixe-boi existe para fornecer banhas curativas. A casca de tartaruga tracajá presta-se para a confecção de cinzeiros. A folha de caamembeca é própria para diarréias. As mãos do pai do carvão não param de alimentar os fornos. Alêu a tudo assiste. Um turista baiano aprendendo a ser bugre. Em Iripixi, na região do Trombetas, onde o índio é peão e trabalhador braçal, há uma placa: “troca-se óleo de copaíba por arroz, sal, açúcar, café, leite em pó, sabão, gasolina ou óleo diesel”. Assim, meio sem ter de pedir explicações. Os fatos amazonenses se impõem. Ditados populares lhe são estranhos. Alguns explicáveis. Como o dito “quem quebra galho é macaco gordo”. E Alêu, filho da Bahia, aprende rapidinho que o menino não nasceu hoje porque a parteira não veio e que o barco não foi porque o rio baixou. Mas Alêu nem está atento para a urgência dos novos costumes. Tudo para ele poderia ser explicado depois. Mas não agora. O turbilhão de novos fatos. Nem ocupa espaço. O objetivo de sua vida é só um. Por isso mudou seu rumo. Está perdidamente apaixonado por uma linda mulher. E que até sonhou com ela. No caso sendo a segunda vez que, em sonho, Mangagaí lhe aparece, subitamente, como uma mulher-peixe. Segredos nômades como ele. Que nunca se explicam. Alêu já se sente um paraense. E quase desobrigou-se da busca por Mangagaí. Até que descobriu, sem querer. Estando no distraído. Numa festa de arrasta-pé. Na confiança do que foi segredado pelos cantadores de viola. O mundo não é mesmo fabuloso? Tudinho ele agora quer captar, letra a letra. O vir a ser da letargia paraense, essa é a mágica, no que tiver de vir, é só ter fé, algum dia virá. Nem que a vaca tussa. Tudo no real. Fainas. Onde mais isto. Peixes da alegria sobem uma cachoeira dentro de Alêu. As nuvens que passam chamam por ele. Uma caravana de papagaios arrepia pouso na paineira. Miragens de gritos de algodão. Olhos de janelas. Muitos seres. Abandonados ao sol. Imagens de chuvas distantes. Trovejou na direção do Xingu. Sozinho a bordo. Tentando relaxar. A contagem regressiva. Quatro, três, dois, um e, finalmente, zero. O céu destampado. A terra dos submersos, aquela somente imaginada, está chegando cada vez mais perto. O ponto infinito baba. “Vem água por aí!”. Splash. Chuá. Relâmpagos estalantes. Corredeiras de não ter fim. Choveu um mês e meio seguido. Bom tempo para gestar vocábulos. Águas em estado de encantamento. Chove que chove. Assim ininterruptamente. Água doce abrindo os peitos para receber mais águas. Deflúvio e dilúvio. Águas densas e palavras de arremate. “Ah, o tempo agora não passa. Falta um mês para a festa de São João”. Todo dia Alêu combina a viagem ao Marajó com Santo e Padroeiro, a dupla de cantadores. E eles sempre prestativos: “é prá já, mano... É prá já...”.

Beto Palaio

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