sábado, 8 de dezembro de 2012



Paris - Musée d'Orsay: Manet's Olympia

COMPADRE MANET E COMADRE OLIMPIA

No quarto de Olímpia. Eduardo Manet ficou ali por um tempo bem curto. A palavra ternura em seus olhos. Especialmente promissora. Olímpia estava casada fazia sete anos com um banqueiro local. Entretanto. Cristais que se mantém limpos por exterioridades. Ela era. Semi-instruída no amor avulso. “Não se trata disto, compadre, o homem é pura desconfiança desde sempre... O meu desconfia até da sombra... Mas que sombra gorda, não é compadre?”. Olímpia chamava Manet de “compadre”. Uma intimidade de gente de interior. Superficialidade gratuita. Costumes de moça da roça para um antigo cavalariço.  O pintor a olhou, conforme descrito no início deste conto, com distanciada ternura. Um vento bateu na janela que foi logo fechada por Amely, a ama protetora de Olímpia. Uma certidão de futricas envolvia essa mulher da alta sociedade parisiense. Não obstante. O caminho desta estória está seguindo aquele velho chavão do “você soube?”, onde se destrava a guia de corte fotográfico e a estória flui que é uma beleza. Doce língua bárbara é aquela que inventa estórias. Sorrateiramente o mundo sonhado se desvenda e, depois, revela tudo o que até então se desenhava de forma econômica. Manet tinha grandes idéias ao pintar o retrato de Olímpia. Enquanto Amely lhe mostrava um buquê de generosas flores. Ela falava para ele num linguajar entrecortado. Uma província de infidelidades se desfraldava além. Uma paisagem demorada. Como se a parelha de cavalos puxassem a carruagem de forma manietada. Qualquer coisa aconteceria além daqueles campos repletos de pequenos amontoados de feno. Olimpicamente, os versos são feitos de vento. E o campo é antigo, abrigado por uma terra gasta e negra. Estivera chovendo a noite toda. Mas uma esplêndida claridade abriu um regaço nas nuvens. A palavra surgiu. E nasce um dia proveitoso e belo. Pássaros cantam no prado agora verdejante. Além, um chalezinho de montanha. Um caminho entre pedras de cantaria. Bocas e batons dentro da carruagem. Olímpia e duas amigas chegam ao endereço combinado. Ela agenciava moças para um certo Capitão Rodrigo. Ele contratara Olímpia para este trabalho insano. Pois ela agia discretamente. Tinha grandes relacionamentos com a parentela distante. Todos a tinham como uma estrela embalsamada na riqueza. Enquanto. Ela mandava recados de rosa dos ventos. Para o norte, “peça para Mariazinha vir me visitar”. Para o sul, “avise a Lidia que chegou a hora dela conhecer Paris”. Para o leste, “escrevi este bilhete para a Clarissa... Depois de ler ela vai ajeitar as malas e vir morar comigo... Aguarde para que ela venha na mesma carruagem que você”. Para o oeste não havia recado nenhum, pois o oceano imenso deitava ondas desde a Inglaterra até Nova York. Em completa verdade. Na sórdida muralha nua. “Minha vida. Pois não joguei fora com um tal de Reinaldo?”. Olímpia revela as escadarias sombreadas de um velho sobrado. Reinaldo era sobrinho de um contra-almirante holandês. Orgulhoso do tio, ele exibia uma velha bússola de marinharia mantida num estojo revestido de veludo azul escuro. Ainda, como num broche, um antigo paquete de velas arriadas, um mimo feito de ouro. Foi muito curta a estadia de Olímpia na casa de Reinaldo. Ali ela desfraldava suas fantasias em longas divagações silenciosas. “Cheirávamos ópio. O que você espera de quem cheira ópio além de divagações fantasiosas?”. Depois ela morou só em Paris. À custa de um finório cafajeste. Um cafetão de nome Capitão Rodrigo. “As luzes da cidade. Esse espanhol fascinante. Acabei fazendo uma besteira”. Olímpia revelava ao seu compadre Manet as suas primeiras incursões na venda do próprio corpo: “não é tão mal assim, compadre... A putaria é muito organizada... Há essa indignação geral que até compreendo... Mas tudo isso não passa de futricas vindo de pessoas quebrantadas, sem talento para o amor, tentando justificar suas pobres vidas”. Manet ouvia essas confissões com a reserva de um amigo atento. Ele preparava mais uma seção de pintura onde o verde esmeralda teria papel preponderante para o cortinado e o fundo que realçaria Amely sobrecarregada de flores. “E você não soube?”. Com esta pergunta Manet ficou alarmado. Tinha perdido parte da conversa de Olímpia. “Não soube o que?”, ele perguntou para ela. “Compadre, você não estava prestando atenção ao que eu falava?”. Manet, ainda no trabalho de apertar um tubo de tinta à óleo da cor verde esmeralda, fez sinal com a cabeça que não estava mesmo prestando atenção ao que ela falava. “Ah, não importa compadre... Não importa mesmo”. Olímpia fez um biquinho com os lábios como se estivesse arreliada com ele. Depois sorriu e retirou, do buquê que Amely lhe ofertava, uma grande flor vermelha que ajeitou no cabelo. “Que linda!”, exclamou Manet. A seguir o pintor deixou de lado o tubo verde esmeralda, apressado como quem não quer perder a inspiração, procurou na caixa de tintas pelos tubos de cores vermelhas.

Beto Palaio



Nenhum comentário: