sexta-feira, 4 de maio de 2012



Havia nela a boca arlequinal da mulher infinita. Outros ditos. Que da lua em si. 


ALÊU E A SEREIA (XVIII)

SonhARCon+tiGO= Um corvo negro pousa. Num galho ressequido. Noite de sofrer agruras. Mesmo assim. Sim, vive-se. O dia de então. Com entusiasmo aflitivo. Como a aranha tecedeira. Equilibrista na linha de seda. Restritos à força mágica do destino. Enquanto o dia não vem. A praga rói. O tendão dói. A engrenagem mói. Numa baciada de cobras peçonhentas. O infindável corta-jaca. O bom-fim. A entrega à lúcida e ensandecida correnteza. Como tal, ruidosa. Em gala. Outra vez, mas pela primeira vez. Vida cá, morte lá. No entre-rios. O das extensas doces águas. O encachoeirado rio maior. O rio que devora todos os rios. Onde a água é escrava de águas. No lambe pedras. Do tantão de vezes rio. O caudal tripartite. Maranhão, Solimões e Amazonas. Haicai de todas as águas. Rio, o ir. Espôrro aquático. Antídoto do tédio. Aleuzenev dorme na cela forte do presídio baiano, mas seu interior se desprende e adentra uma floresta secreta. Numa mata interminável. Inferno verde e ritual de perpetuação. Sonha, e dentro deste sonho. Mangagaí lhe estende a mão e lhe convida para entrar com ele na água de um rio desproporcional. Dentro da correnteza, ela, Mangagaí, está desenvolta. A nadar em chispas. Longe e perto. Num segundo. Ela se revela: Mangagaí é uma sereia.  A sereia sendo no igual de todos nós, cores e gentes, na oferta de sua metade mulher; e no igual dos aquáticos, assim em escamas furta-cores, a sua metade peixe. Ao depois. De ela, oferecendo-se, docemente convidativa. Mesmo em desafronte às leis naturais. Mostra-se nua para Alêu. Mas logo vai submergir na torrente do rio bruto. Donde o espirrar. Rufos de águas destorcidas. Eis a real Mangagaí, a sereia, a faminta. Tal, tais, Talita e a outra. A rebatizada Lilith. Em armadilhas. A pecadora. A sugadora de homens. A nascida do mosaico de conchas. Havia nela a boca arlequinal da mulher infinita. Outros ditos. Que da lua em si. Nasceu. Si em sól. Sendo. Cí, a lua feiticeira, mãe da epidemia. Embaraçada, em cabelos e bocas, aos tolhidos. Diante da sereia não consiste exagero ficar, infindável, como Alêu descobriu, um a mais, minutos, só apreciando as suas belezas e seus conformes. Num sonhar consentido. Alguma coisa no seu convite. Fumaça nos olhos. Num sorriso seu. Quando o coração está em labaredas. Mas só por hoje. A lágrima de felicidade comprova. E os olhos ficam nublados. Nesta fúria do amor eterno. O bálsamo dos enfeitiçados. Ao efeito da queda. Alêu flutua em plenas águas do urucurí amazônico. Em meio à multiplicidade. Quais tais. A flor de lótus, o peixe-boi, o siri patola, a vitória-régia. Nas águas barrentas. Nenhuma estória se arrasta em andamento de agonia. Um pingo flutuante. Errando como um pária do destino. Se louco ou cego. Para ele a vida inteira. Parece querer voar. Como um sol durável chuviscando mormaços. Um canto mortiço de uirapuru. Ecos no pé de unha-de-gato. Donde Alêu é musgo e pedra rolante ao mesmo tempo. Ressuscitado, seguindo a maldição de um peixe-fera. Que lhe arrebata o coração aos pedaços. Ainda mais com ela, Mangagaí, pedindo. E lhe entregando os lábios para um beijo. Dentro da noite de folguedos. Desce, enlaçado com Mangagaí, o deslizante Rio Cristalino que desemboca no Rio Kaiumá que desemboca no Rio Tombador que desemboca no Rio Purus. Eles pertencendo à natureza de todos os aromas e cores. Pinceladas escarlates num elegante vaso chinês. As marcas de batom em sua pele. Extremamente sangrentas. Para afinal quedarem, a sós, juntos. Um filhote de onça faminta e um gato urbano esfaimado. Lenita, de A Carne, e seu macho tutelar. Ou Lolita à procura de Humbert. Assim sim. Mangagaí, a rabuda, e Alêu, o bem-dotado. A dupla que as águas adotaram. No Largo do Amparo. O fogo e a afogada. No entanto, no retrato 3x4, é hoje e vive-se: carnaúba sem carnaubeira, ariticum sem ariticunzeiro, salsa sem salseiro e, no justo, fimose empatadeira. Aleuzenev, por sorte, por sua honra, por seu temperamento, agora assaz um João-de-nada, um prisioneiro qualquer. Levado ao limite. Ao sândalo. Ao âmbar. Solitariamente desplugado. Cismado ao relato de seus ais. Fatos temperados em molho vinagrete. Sua honra em trenas de medir. Distâncias do afiançado equador aquático. Há que ser, diverso de que, o prazer no qual. Daquele secreto sonho na cadeia, mirrado desfecho, das entranhas da aguaceira, ao acordar atento, aos redemoinhos, e aos mistérios. E Alêu despertou, da gaiola do recado, e era madrugada no presídio. Quis entender os termos. Lá, numa preciosidade de detalhes. Ele e Mangagaí seriam peixes? Ou não? Ele enlaçado somente às metades. Sentia o bafio das águas. Lembrou minudências, de que, mesmo no fundo do rio, o ar que no habitual se respira não era mais necessário. A realidade em trocados, fora o ruído distante de alguém gemendo num eterno cárcere, dele estar assinando sua petição. A paz naufragara em brancas bandeiras. Mal de amor. Sua sina doravante é esta. Tentar apaziguar os opostos. Mas para o momento. Queria dormir novamente para estar com Mangagaí. Só que não daquele jeito. Queria mirar naqueles olhos verdes enquanto neles se afogasse. Adentrando bocas. Daquela bela fêmea. E depois gozasse da forma mais extrema que um homem pode gozar com uma mulher. Toda languidez aprovada. Com o prisioneiro Aleuzenev dizendo “eu te amo, eu te amo”. Tudo, só e coisa, apaixonadamente... 

Beto Palaio

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