terça-feira, 15 de maio de 2012



Logo Alêu passa a receber lições diretamente com a nata da organização antiterrorista como o Codi, o Cidimar e outros tribufus não menos encorpados. 

ALÊU E A SEREIA (XXIII)

LIçõesdeABI+smo= Alêu curtiu sua solitária por mais uma semana e depois, conforme havia previsto o Sargento Dito Costa, foi posto em liberdade. Mas não sem antes passar por uma carraspana do Delegado Sebastião Malasartes, aliás mais ainda do que isto, recebeu deste um chamamento para que aderisse aos bons costumes e que doravante não confiasse em mais ninguém, principalmente nos portadores de improvável sensatez política. O Alêu estava recebendo seu alvará de soltura, mas sob um regime de “liberdade vigiada”. Para tanto o Delegado providenciaria, já que Alêu não tinha mesmo onde morar, um local para ele ficar hospedado, numa república onde alguns rapazes solteiros eram aspirantes para cargos na Policia Militar baiana. O Delegado Malasartes ainda vaticinou: “um local de muito futuro. Lá você será recompensado, se quiser, por uma profissão de respeito. Agora só depende de você”. Alêu nem teve como recusar, pois estava mesmo disposto a morar apartado de Nazaré. Desta maneira foi que Aleuzenev da Silva se viu livre dos porões da ditadura. Ocasião festiva em que recebeu seu alvará de soltura em festejo de cajibrinas. Com estes senões. Logo Alêu está na rua, sorvendo sol e comendo acarajé com pimenta malagueta diretamente da fonte que são as vendedoras das escadarias do Bonfim. Por aqueles dias ele dá um tempo com Miranda, com quem passou a se entreter no escurinho do cinema Olympia, nos vãos e desvãos da cidade e até na orla da praia, após o escurecer. Mas sua sina estava mesmo prescrita. Toda noite é obrigado a voltar para a pensão dos calouros a militantes da polícia. Entretanto, pela manhã corria solto pelas praias e ladeiras, sentindo-se livre, ligeiro e fantasioso. Assim, com tanta liberdade a tiracolo, ele vai até o Convento onde estuda Mangagaí, e lá tem uma má surpresa: Mangagaí retornou para a casa do tio em Marajó. E por ali ninguém, nem mesmo as amigas mais chegadas, sabiam do endereço postal dela. Ele sente-se novamente um rejeitado. Tinha apostado demais naquela moça. Queria que ela fosse, em definitivo, somente dele. Mas o que fazer? Só resta o consolo da Miranda, uma foda maneira, onde ele aterrisa para ficar quietinho enquanto a maré contrária não passa. Ao mesmo tempo, na pensão da Praça da Boa Morte, o Alêu está em disponibilização nacional para novos ensinamentos de guerra. Passa a andar com os ditos cidadãos respeitáveis. Freqüentadores de altos padrões governistas. E logo é convidado a entrar na Polícia Civil, na ordem de um investigador do Corpo de Elite. Algo que ele aceita pelo dinheiro seguro, que logo começa a cair na mão dele. Assim passa a receber lições diretamente com a nata da organização antiterrorista como o Codi, o Cidimar e outros tribufus não menos encorpados. Uma chusma de mestres lhe foi estabelecido. Haviam orientadores especializados em guerrilha urbana que foram importados dos Estados Unidos da América; e outros, não menos belicosos, vieram do Rio Grande do Sul, terra de milico macho; outros do Rio, terra de milico intelectual, e finalmente, também de São Paulo, terra de milico estrategista. No todo desses cursilhos. Fonte de indubitável tradição na arte de ferroar. Com catedráticos pautados de estilos. Redundando em ferozes lições ministradas em salas fumarentas. Cáusticos ensinos advindos, no dia-a-dia, com os tais professores arremedando torturas, e com a categoria padroeira autorizada para ferir e matar. Na tal lavagem cerebral, os calouros, como Alêu, estão unidos num só propósito. Em resumo: o ataque é sempre melhor que a defesa. Deste modo os cadetes ficaram na ponta dos cascos. Ferrabrases. Formigas no açúcar. Grumetes em foguetórios de lições carniceiras. Estas quase sempre teatrais. Sorvidas diretamente na fonte como as ministradas, ao zelo, por um tal major Setembrino, um cão feroz licenciado para morder comunista: “tem de matar esses putos todos”; ou por um chefe paulista, o tal Delegado Fleury Filho: "a mim não serve porque já sei... Isto é para vocês que não viveram ainda... Preparem-se para nascer na verdadeira pátria...". Ou um outro ensinamento dito por Fleury: "se é para serem idiotas, então sejam idiotas pelo lado governista, que são os donos da munição...". Uma assistência indiscriminada para o incômodo. Fatos concretos que em o aço duro reverberará. Essas lições de abismo nunca eram, ao depois, desmentidas. Cachoeira de ensinamentos com minúcias de execuções de punho próprio. Sortidos tais que, entre eles, os próprios matadores alardeavam. Muitos foram os usos militares, hoje guardados exemplarmente nas gavetas da memória nacional. Mas Alêu logo recebe seu diploma de maioridade como militante de direita. Municiado de diploma para debelar com os ratos comunistas. Apetrechado na fórmula das verdades indiscutíveis. Fervendo no óleo da autoridade militar. Assim que põe a mão no canudo. Foi despachado para o sertão nordestino. Seguindo a regra da rigorosa justiça. Ele segue em comitiva. Os fiscais da ordem social. No rumo da fronteira entre Pernambuco e a Bahia. Onde pretendem esturricar com uma nação de ordinários vermelhinhos. Numa investigação de vulto inusitado. Donde resultaria. Um ataque frontal ao criatório de bernes comunistas. Quimeras políticas embutidas em minúcias na cabeça do Alêu. Na pronta ação e incremento de táticas contra o insulamento inimigo. Com carta geográfica estendida no areão da catinga. Todos muito sérios e cuspindo grosso. Pois agora estavam caçando facínoras de índole mortal. Gente desonesta esses subversivos. Utilizando-se do sertão como base operacional de estratégias russas e cubanas. Com a qualidade até para ministrar aos campesinos locais. As malditas lições comunistas de bomba e guerra. Dentre eles estava o temido Capitão Carlos Lamarca. Evidentemente acompanhado de seus adjuntos. Um bando de animais futricadores de imundície. Verdadeiros porcos. Parentes da discórdia e da desavença. Até isto foi propalado. Segundo as cartilhas do Cidimar: “uns cães que merecem sofrer, mas não antes de escafederem na masmorra dos valorosos direitistas do governo”. Então. Contra os tais demônios. Palmo a palmo na areia sertaneja. Seguem-nos de faro em faro. Os destinados aos louros governamentais. Uma brigada espartana e positivista. Municiada de fé e destino. Coturnos no rumo noroeste. Para assim. Estes impávidos cruzados do bem. Fiéis escudeiros da farda verde-oliva. Embora não passando de principiantes. Sendo na maioria, apenas calouros vindos de Salvador. Mas quem se importa com isto? Estavam ali numa missão de vida ou morte. Para a qual cairiam no mato ralo, babando em direção aos socialistas carniceiros. Naquele consílio glorioso. Entre os “soldados do bem” estava Aleuzenev da Silva, um aluno dos mais aplicados em sua turma. Uma promessa que cutuca o orgulho de seus superiores. Alêu agora vinha apetrechado de seu próprio revólver, sua escopeta, seu punhal de corte e sua destacada missão de espalhar homicídio entre os bestas-feras... 

Beto Palaio

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