terça-feira, 1 de maio de 2012




Quem sobe as escadarias de pedra não precisa conhecer o caminho.



ALÊU E A SEREIA (XVI)

Dondestáscor+azón= Na masmorra quem sobe as escadarias de pedra não precisa de antemão conhecer o caminho. Desemboca sem tardar num imenso corredor de paredes caiadas, onde uma porta vetusta, de pesados gonzos, abre-se para um átrio sufocado pelo excesso de cigarro e pelo ar respirado inúmeras vezes pelos encarcerados. Neste local as celas estão alinhadas à esquerda de quem entra. Defrontando-se com o corredor. Na oitava cela está Aleuzenev da Silva, enjaulado pela inteireza da justiça, aquela dama cega, que acredita em quem convém, mas quase nunca em quem encarcera. A este a justiça diz sumariamente que está “cumprindo sua pena”. Mas Alêu não se conforma com sua sorte. Não deve nada a ninguém. Tem azos de gritar que é inocente. Mas, nessa configuração policialesca, tem de conformar-se com sua sina de o haverem confundido de gato por lebre. Chegou a chorar pelo inconveniente e por ter adivinhado a tortura pela qual passaria Pedro Henrique Cabilé. Isto foi ontem. Pois hoje ele se pune por haver aceito aquele livreto da Vaca Democracia da mão do Cabilé. Inclusive culpava este por ser avoado e irresponsável, a ponto de espalhar suas arengas subversivas para quem não tinha absolutamente nada com isto. “O comunismo é uma merda que nem sei para que serve... Esta é que é a verdade...”, Alêu se põe a treinar com frases assim, porque é esperto em saber que, fato consumado, a qualquer momento, vão lhe interrogar. Ele aprendeu rapidinho que naquele local o mundo era dividido em dois: a cadeia propriamente dita e um anexo onde vicejam as contorções dos condenados a expiarem em torturas atrozes. Pensando que ainda poderia ser torturado ele põe-se a andar no curto espaço da sua cela. Tenta assim distrai-se, a ponto de se assustar, quando um policial encosta-se à grade para falar com ele. Este policial chama-se Dito Costa, é um negro forte e avantajado, que faz um sinal para que Alêu se aproxime das grades. Só então Aleuzenev reconhece aquele homem como o dono do cão Varuna e o responsável por ele estar a salvo, embora ainda dentro da cadeia. O policial segreda-lhe: “olha, menino, você ia entrar na maior cagada de sua vida. Só lhe ajudei por uma coisa. Sei que você é filho da Rigina. Ela foi minha grande amiga e também foi mulher do homem mais sério que este país já teve. Sou do tempo do Presidente. Sei do que estou falando e sei também que o atual momento é sério. Tem gente morrendo prá caralho por causa da mudança política. Essa revolução é prá valer. Não se iluda. Mas fica curtindo sua cela um pouco mais. Aqui ninguém vai bulir com você. Só tem paciência porque vou mexer meus pauzinhos. Tem paciência que compensa. Mas sem nenhuma besteira, tá?”. Esse homem, o Sargento Dito Costa, depois desse “tá” apertou como pode a mão de Alêu e se afastou sem dar mais detalhes do que aconteceria a seguir. Alêu fica entre aliviado e apreensivo. Neste momento nem notícias do Cabilé ele tem. Só intui que ele passa sérios apuros na mão daqueles brutamontes. Então se dá conta que nem pediu a intercessão do Sargento pelo seu amigo. Mas julga que nada de sério poderá acontecer para ele: “talvez Cabilé sofra um bocadinho... Mas também, é bem feito... Quem mandou ele ficar zoando com assunto proibido?”. O que Alêu deseja de verdade é mandar alguns recados para o mundo lá fora. Espera até que Nazaré o visite. Quer fazer as pazes com ela. Mas deseja muito mais que Mangagaí apareça por ali para lhe dar um conforto. Mas ninguém aparece. Está confiante na ajuda do Sargento Dito Costa. Não tem como não confiar nesse seu único alento dentro daquele inferno de incertezas e mortificações. Foi quando, no dia seguinte, através de um vizinho de cela, soube do massacre e morte de Pedro Henrique Cabilé. Naquele momento de azo. Tudo para Alêu virou do avesso e perdeu o sentido. Aquilo passara dos limites da razão. Seu amigo morto. O Cabilé, seu companheiro de escola, um menino de ouro, agora havia ido embora para todo o sempre...  


Beto Palaio

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