domingo, 2 de dezembro de 2012


Logo iremos descobrir o poder das águas sobre nós todos... São elas que mandam... E nem um tiquinho da nossa vontade governa as águas... Mas não mesmo.... 

Alêu e a Sereia (XXX)

AZULmirae+oBOTO= Foi apenas uma amistosa conversa. Porém. Aquele foi o primeiro contato de Alêu com as águas amazônicas. Diga-se. Ainda no ônibus. Que cortava a Bahia de leste para oeste. Ele, um turista sem destino. O romeiro que segue metas de aportar em Marajó. Naquela viagem programada para um dia e meio. Aleuzenev partia, chão a chão, no Mercedes-Benz que ruma para Pernambuco. Depois Piauí. Depois Maranhão. E por fim o Pará. Dentro do Mercedão ele divide o assento com Genivaldo Alenquer, um senhor amazonense de rosto enrugado, pele morena e de pouca conversa. No entanto, rapidinho mesmo, na convivência de vizinho, derrete-se o gelo. E Genivaldo traduz para ele, em resumidíssimas formas, o que vem a ser a temida e misteriosa Amazônia: “lá as águas são soberanas. Vivemos sob a tutela das águas. E por outro lado temos o ermo das florestas. No entre folhas o geral perde o sentido. Flor não é flor, é alma. Gato não é gato, é onça. Boto não é boto, é homem...”. Letra a letra. Genivaldo Alenquer pega gosto na fruição das palavras. Vê que Alêu está curioso. Além do mais. A cabeça de quem conta estórias pertence a Deus e a mais ninguém. Foi assim que o caboclo, a partir do assento do ônibus, desfolhou sua estória principal, esta dita verdadeira. Dizia ele sobre uma moça, a Azulmira, uma que namorava um boto. Coisas que lá são reinantes. Episódios os quais Genivaldo jurava ser testemunha – “eu estava lá e vi” – e até firmou detalhezinhos do que se passava naquele específico dia. Com o fato ocorrido em beira-rio: “no chão havia formigas em guerra contra um gafanhoto. Pobrinho dele. E o ar estava morno demais, sendo já de tardezinha...”. Entendia-se que um grupo de pescadores se reunia na praia do rio. E Alêu, entretido, prestava cada vez mais atenção ao caso contado sobre a moça Azulmira. “Fato mesmo assucedido nesse Brasilzão”. Entenda-se: nem tâmaras, ou nozes, ou damascos, só, e sim, apenas manga-espada. Em vista do que houve. De que a turma do Genivaldo estava fazendo fogo para assar um peixe curimbatá. Afinal. O que pode existir de anormal nessas lendas? E o homem continua sua estória arrastando-se nos detalhes: “cansamos de ver um homem branco subir a barranca do rio... Quem era ele?... Logo o Senhor saberá de tudo...”. E arrepiou finalmente a sua estória no que tinha de ser contado: “em torno desse tempo eles colocaram fogo na mata para debelar a correição das formigas-chiadeiras. E no meio da muita fumaça, na ordem de um nevoeiro, foi que primeiramente surgiu um homem de terno branco. As mulheres quando viram esse homem fugiam e gritavam muito. Dizem uns que aquele homem de terno branco depois se transformou num padre. Outros afirmam que ele entrou no rio de terno e tudo, como um lote da sua própria herança de ser peixe. Mas quem estava lá testemunhou o fiel do acontecido. Coisa com coisa, assim eu lhe digo ao senhor, do mesmo jeito que breve surgiu, esse forasteiro de terno branco entrou no rio, nas águas cristalinas, e depois no conforto dele mesmo, assoprou o bufo de um boto, e esse um, ele o boto, dava risadas parecidas com as da gente...”. Aleuzenev achou aquilo uma papagaiada. Até quis cortar a estória no meio. Fingiu que olhava a paisagem lá de fora, ilustrada pela velocidade do ônibus. Mas Genivaldo diminuiu a voz, como se estivesse comovido pelo causo por ele contado: “naquela noite, quando apareceu o moço de branco, a moça Azulmira foi embora. Dizem uns que foi pacto com o boto. Outras acham que elazinha foi fazer viração em Belém. E também uma testemunha existe, a de um cidadão que tem sua profissão em ser mecânico de bicicletas. Esse, no especial, sendo um amigão nosso, como de fato é o Seu Lonjevindo. Um bicicleteiro que é amazonense antigo, um ex-pugilista, tendo tantas berebas na cara quanto as muitas crateras que existem na lua. Um sujeito famoso por ser bexiguento e loroteiro... Mas voltando na estória da moça... O Seu Longevindo disse um algo para destoar de todos os que pensassem mal da Azulmira: “ela foi para São Paulo”. Ele disse, não se sabe se verdadeiro ou não, que ela se amigou com o Sargento lá da guarnição... Um sujeitinho magro e desdentado... Assim Seu Longevindo afirmava... Pois disse da Azulmira ter mudado de vez com o Sargento para São Paulo...”. Alêu achou que aquele senhor estivesse brincando com ele. Isso lá é estória que se conte? Mas parece que Genivaldo adivinhou o que Alêu pensava. E completou: “isso, seu moço, é o que eles acham. Pois eu nunca acreditei em nenhum deles... Fiquei vindo todas as noites na beira do rio. Pois tinha certeza de que a moça Azulmira tinha mesmo é se afundado nas águas junto com o boto. Até que acharam um sapato, um pé só, da Azulmira, num remanso de areia, quilômetros rio abaixo...”. Alêu não disse nem um tanto, nem coisa nenhuma. Tentou mudar de assunto. Mas Genivaldo finalizou em modos de profecia: “o senhor está indo para lá... Logo irá descobrir o poder das águas sobre nós todos... São elas que mandam... E nem um tiquinho da nossa vontade governa as águas... Mas não mesmo...”. 

Beto Palaio

Um comentário:

Ianê Mello disse...

Beto, você é de fato um contador de estórias... e dos bons. Quero dizer o quanto admiro sua criatividade! Parabéns!!!

Beijos de sus sempre e eterna admiradora.