COMPADRE
MANET E COMADRE OLIMPIA
No quarto de Olímpia. Eduardo Manet
ficou ali por um tempo bem curto. A palavra ternura em seus olhos.
Especialmente promissora. Olímpia estava casada fazia sete anos com um
banqueiro local. Entretanto. Cristais que se mantém limpos por exterioridades.
Ela era. Semi-instruída no amor avulso. “Não se trata disto, compadre, o homem
é pura desconfiança desde sempre... O meu desconfia até da sombra... Mas que
sombra gorda, não é compadre?”. Olímpia chamava Manet de “compadre”. Uma
intimidade de gente de interior. Superficialidade gratuita. Costumes de moça da
roça para um antigo cavalariço. O pintor a olhou, conforme descrito no
início deste conto, com distanciada ternura. Um vento bateu na janela que foi
logo fechada por Amely, a ama protetora de Olímpia. Uma certidão de futricas
envolvia essa mulher da alta sociedade parisiense. Não obstante. O caminho
desta estória está seguindo aquele velho chavão do “você soube?”, onde se
destrava a guia de corte fotográfico e a estória flui que é uma beleza. Doce
língua bárbara é aquela que inventa estórias. Sorrateiramente o mundo sonhado
se desvenda e, depois, revela tudo o que até então se desenhava de forma
econômica. Manet tinha grandes idéias ao pintar o retrato de Olímpia. Enquanto
Amely lhe mostrava um buquê de generosas flores. Ela falava para ele num
linguajar entrecortado. Uma província de infidelidades se desfraldava além. Uma
paisagem demorada. Como se a parelha de cavalos puxassem a carruagem de forma
manietada. Qualquer coisa aconteceria além daqueles campos repletos de pequenos
amontoados de feno. Olimpicamente, os versos são feitos de vento. E o campo é
antigo, abrigado por uma terra gasta e negra. Estivera chovendo a noite toda.
Mas uma esplêndida claridade abriu um regaço nas nuvens. A palavra surgiu. E nasce
um dia proveitoso e belo. Pássaros cantam no prado agora verdejante. Além, um
chalezinho de montanha. Um caminho entre pedras de cantaria. Bocas e batons
dentro da carruagem. Olímpia e duas amigas chegam ao endereço combinado. Ela
agenciava moças para um certo Capitão Rodrigo. Ele contratara Olímpia para este
trabalho insano. Pois ela agia discretamente. Tinha grandes relacionamentos com
a parentela distante. Todos a tinham como uma estrela embalsamada na riqueza.
Enquanto. Ela mandava recados de rosa dos ventos. Para o norte, “peça para
Mariazinha vir me visitar”. Para o sul, “avise a Lidia que chegou a hora dela
conhecer Paris”. Para o leste, “escrevi este bilhete para a Clarissa... Depois
de ler ela vai ajeitar as malas e vir morar comigo... Aguarde para que ela
venha na mesma carruagem que você”. Para o oeste não havia recado nenhum, pois
o oceano imenso deitava ondas desde a Inglaterra até Nova York. Em completa
verdade. Na sórdida muralha nua. “Minha vida. Pois não joguei fora com um tal
de Reinaldo?”. Olímpia revela as escadarias sombreadas de um velho sobrado.
Reinaldo era sobrinho de um contra-almirante holandês. Orgulhoso do tio, ele
exibia uma velha bússola de marinharia mantida num estojo revestido de veludo
azul escuro. Ainda, como num broche, um antigo paquete de velas arriadas, um
mimo feito de ouro. Foi muito curta a estadia de Olímpia na casa de Reinaldo.
Ali ela desfraldava suas fantasias em longas divagações silenciosas.
“Cheirávamos ópio. O que você espera de quem cheira ópio além de divagações
fantasiosas?”. Depois ela morou só em Paris. À custa de um finório cafajeste.
Um cafetão de nome Capitão Rodrigo. “As luzes da cidade. Esse espanhol
fascinante. Acabei fazendo uma besteira”. Olímpia revelava ao seu compadre
Manet as suas primeiras incursões na venda do próprio corpo: “não é tão mal
assim, compadre... A putaria é muito organizada... Há essa indignação geral que
até compreendo... Mas tudo isso não passa de futricas vindo de pessoas
quebrantadas, sem talento para o amor, tentando justificar suas pobres vidas”.
Manet ouvia essas confissões com a reserva de um amigo atento. Ele preparava
mais uma seção de pintura onde o verde esmeralda teria papel preponderante para
o cortinado e o fundo que realçaria Amely sobrecarregada de flores. “E você não
soube?”. Com esta pergunta Manet ficou alarmado. Tinha perdido parte da
conversa de Olímpia. “Não soube o que?”, ele perguntou para ela. “Compadre,
você não estava prestando atenção ao que eu falava?”. Manet, ainda no trabalho
de apertar um tubo de tinta à óleo da cor verde esmeralda, fez sinal com a
cabeça que não estava mesmo prestando atenção ao que ela falava. “Ah, não
importa compadre... Não importa mesmo”. Olímpia fez um biquinho com os lábios
como se estivesse arreliada com ele. Depois sorriu e retirou, do buquê que
Amely lhe ofertava, uma grande flor vermelha que ajeitou no cabelo. “Que
linda!”, exclamou Manet. A seguir o pintor deixou de lado o tubo verde
esmeralda, apressado como quem não quer perder a inspiração, procurou na caixa
de tintas pelos tubos de cores vermelhas.
Beto Palaio