quarta-feira, 16 de maio de 2012



O Nordeste fervia em óleo de feira. Quem é que pode com esse fuá? 

ALÊU E A SEREIA (XXIV)

LAMArcana+Mira= Neste divino código penal, a sabedoria, a bondade, a providência de Deus para com as suas criaturas revelam-se até nas mínimas particularidades, sendo tudo proporcionado e concatenado com admirável solicitude para facilitar ao culpado os meios de reabilitação. As mínimas aspirações são consideradas e recolhidas. Porém. Este ideal samaritano é de pouca serventia quando chega a hora de apertar o correame, amarrar o cordão da bota e ajeitar a cartucheira. O céu da catinga está rubro no prenúncio da retaliação. O cheiro de um boi morto é horrível e os urubus planam em círculos no céu. A fedentina da carniça empesta o ar. Houve um rio e houve um boi. Agora ambos jazem no mesmo destino de tornarem pó ao pó. O efeito da permanente seca racha a terra esturricada do sertão baiano. Mesmo os urubus padecem, seja de fome, ou de sede. Os soldados reclamam do suor e da água quente dos cantis. Em incumbência de captura, resolvidos numa infantaria, sob a rutilância dessa tropa de elite, uns do Exército, outros da Polícia Federal e alguns policiais avulsos, entre eles Alêu, este à paisano, oriundo da Polícia Civil de Salvador. Apesar dos revezes. Todos estão tigreiros, destemidos e belicosos. Roendo os minutos e avançando sobre a imensidão nordestina. Para navegarem até em minúcias, longe do alvo, findando  em fábulas. No  caso de um modelar corretivo. Ao darem voz de prisão, aos modos de proporcionar exageros, a uns quatro cidadãos de bem de Poçõeszinhos do Oeste. Numa peleja exemplar. Aos bacamartes estes foram perfilados, apoiados na crença de que toda reunião em canto de praça é criada para o desacato governamental. Estando estes por perto, no raio da ação, ou inseridos mesmo na prática do crime. Inclusive, neste taxiado todo, houve exageros tais que, no fiu-fiu do destacamento, antes deles serem trancafiados, os tais amotinados correram em debandada, para se esconderem, num pega-prá-capar, dentro do fórum da cidade, com a polícia atrás e eles na frente. Conforma-se deste pandemônio ter sido ocasionado pelas mentiras assinaladas por um advogado sem canudo, por nome Romildo Bastos Tigre. Um que pôs fogo na canjica ao apresentar documentos escorreitos de que aquelas reuniões vespertinas, tal em Canudos, tinha por meta a formatação de uma nova Canaã, em território de mandacarus e pés de macambiras, um ilusório povoado possivelmente sustentado por capital oriundo de Moscou. Tudo isto com vistas, aos termos, de confraternização entre canhoteiros e cambalhoteiros. Algo como uma nascente maçonaria. Onde o encontro do bode preto, a tal assembléia conciliatória, se fazia no frontal da igrejinha matriz, a céu aberto, num disse-me-disse com direito até a um joguinho de carteado ao final de cada dia. Mas nem mesmo ele, Romildo Bastos Tigre, que tramitava papéis e importâncias entre os militares, conseguiu autorização para reconhecer o cadáver de um desses desviados, um criador de abelhas melíferas, o qual foi morto inocentemente na refrega. Descabido e impróprio, aquele modesto cidadão foi culpado de ter oferecido uma cabaça cheia de mel de abelha ao ferino—o tal besta sanguinário—por nome Capitão Carlos Lamarca. Este sendo o maioral que vinha fugido de um Estado, o Pernambuco, para outro Estado, a Bahia. Sobrevindo com isto o esfriamento de ritos jóqueis, o dispensar de planos alvissareiros, e a tropa novamente se aquartelando, com o propósito de refazer as metas anti-guerrilhas. Pois longe dali. À campo, por si próprio e sem comitivas, o Capitão Lamarca esbaldava motivações dos ditos tempos instigantes. Ele, em cátedra própria, tratou de desaparecer num larga-pó de trilhas jamais inauguradas, aonde Lamarca ia morcegando numa evasão sem limites de trégua, sertão adentro. Fatal em seu ensejo, enquanto no todo, ao desejo de sua liberdade, como se o dito Capitão fosse assim um milagreiro fajuto, ou mesmo um Midas ao contrário. Pois em tudo que punha a mão virava farinha de triste encomenda. Exemplar manifesto no caso deste abelhista morto, por motivos de entrosamento na baldeação propriamente dita de uma canequinha de mel. Fatos para lá de azedos. Onde a mão de pilão da artilharia governista partiu para esfumaçar as contraprovas. Mal ao mal. Ao qual lugar tudo se atazana. Pois autoridade é autoridade. E cada coisa tem seu peso exato. Embora as medidas sejam exemplarmente malfazejas. O Nordeste fervia em óleo de feira. Quem é que pode com esse fuá? Os eventuais depreciados cativos, como uns trastes, em resumo sumário, ouviam lengalengas como essas peneiradas no chumbo: "o animal quer uma intentona comunista? Então vá e não prestes mais!", e recebia um balaço na cara, sem mais ofensas. Quanto à caça ao Lamarca, a correição de caçadores, mais e mais, como zangões no cupinzeiro, se espevitavam. Alêu passou até a cultivar certa atração em azeitar seu parabelum. Almoçando os alvos. Vivia coçando o dedal de tiro. Imaginava-se já frente a frente com um desses dragões comunistas. Até fazia juras de bala mosqueta, quando beijava demoradamente a munição antes de recolocá-la no gira-gira do tambor. Fremia só de se inserir no bem-bom da empreitada. Pouco depois. Noutro exato momento. Ainda no sertão baiano. Aquele que se escondia, para continuar a existir, seria achado. Graças a um carcará lecionado em pontos geográficos. Caso que deu muita cisma ao Alêu: “e não é que a visão antecipada de Nazaré vinha agora firmar compromisso?”. As buscas estavam prestes a escavar um desfecho. A caça ao bruxo esquerdista, ou ao pai da peste, estava com destino certo. No aprumo. Da bússola. O que tivesse de vir, o bendito carma, o encontro marcado, o que nunca treme, viria. Atentos ao período da madureza. Militares são também como aves do incomunicável. Ali, só a oportunidade, a bela chance, seria a dirigente da hora. Entrementes. O que se soube depois. Foi que aqueles temíveis guerreiros do terror, os comunas lamarquianos, formavam exemplarmente a soma de dois. Eram tão somente um mais um. O primeiro, o chefe semi-fardado, Carlos Lamarca, estava já doente, de catarro seco, esfomeado, faltava-lhe fôlego, mal andava. Justo na conta de auto-sofrer. E o Zéquinha, seu companheiro essencial, para o mal dos males, numa cidadezinha por perto, exercitou alguns tiros em estabelecimento alheio, querendo, no muito, acertar uma placa de Coca-Cola na porta de um boteco qualquer. A primeira versão dessa demonstração foi posta nos autos. Embora fantasiosa. Assim consta aquilo que lá se leia. Que a dupla de assassinos. Sitiaram a cidade inteira. Gastaram munição até em placa de refrigerante. Depois saíram sorrateiramente.  Embarcaram para Brotas. Na peça incluiu-se. Havendo na posse deles. Muita munição e armamento: canhão de bombardino, metralhadoras do tipo Lurdinha, facões Guarany, caixas de granada de pino, burricos e tralha e tal. Viajeiros. Para lá, foram os denunciados. Como de fato. Atravessaram o vau, um e outro, sem posse nenhuma, na verdade arrastavam-se, ambos, na crença de informações de gente conhecida. Familiares de Zéquinha desde longínquas plantações com canaviais e bois postulados para girarem no monjolo. Uns primos e tais. Mas que, no fundo, eles tentavam despistar a milícia de quem já se ouvia os cães ladrando. Porém. Os fugidos. Foram aconselhados, por um norte qualquer, a não permanecerem no rumo do ensinado. Vão lá e voltam cá. Só pela boa lábia. Fiando os contrários. O Capitão Carlos Lamarca abre propósitos: “só batendo na porta da caatinga prá ver se ela se abre...”. Mas Zéquinha conhece o despertar dos brutos: “Capitão, olhos abertos... A tigrada aí vem... Melhor se acoitar em direção sul...”. Esses dois, e por fim só eles, desejavam construir o país do futuro, com uma adesão nacional, de povo e mais povo, todos vindo atrás do anunciado, por eles, pelo exemplificado, assim pensavam, com aquela trabalheira toda, mais teimosia em causa própria do que praticidade, mais enunciados equivocados que realizações, somados à uns crimes avulsos, deles mesmos e dos outros. Em tudo isto, intentavam saber, visando a democracia. Queriam sepultar o Brasil retrógrado e entreguista. E tinham motivos de sobra para acreditar, pois até Cuba, “uma ilhazinha de merda”, encarou de queixo alto os Estados Unidos e venceram. Mas eles estavam enganados. Compravam mutum por borrego. Acreditavam na pieguice de um discurso contra um mundo coberto de capatazes fardados. Esses sim, os donos do fandango. Lobos embromando gentes. Tiros errados de lá e de cá. Mas ao ar azul o mar azul. E isto nem importava naquele momento. O que importava mesmo era o verbo. Como aquela citação fajuta, tal toco de unha, do professor Adamastor Pastinha, o educador que virou motorista de lotação antes de virar lenda: “nunca abra uma porta para o universo sem antes checar o anverso”. No entanto. Para o momento a captura é questão de tempo. E o destino de Lamarca derretia como gelo ao sol... 

Beto Palaio

Um comentário:

Helô Lima disse...

Querido
Não me esqueci de você. Ando sumida por várias razões e ainda te escrevo contando como anda a minha vida. Mas hoje é dia de te desejar o melhor: amor, saúde e felicidades. Beijo afetuoso. Helô.