domingo, 6 de janeiro de 2013




MAKULELÊ DE CARTEIRA ASSINADA.


Makulelê logo voltou a falar desses tempos de aperreio juvenil em Altamira onde,  doze horas por dia, ele era mecânico de automóveis na oficina do Bira, também conhecida por trazer no seu letreiro, já um tanto gasto, enganchado no alto de uma velha paineira, uma placa carcomida pela chuva e o sol, onde mal se lia: Centro Automotivo Atlântida - Proprietário – Bira Abravanel.

- A oficina do Seu Abravanel foi o meu primeiro emprego com carteira de menor assinada... Motivo de orgulho...

- E depois?


- Depois eu fui para Rio Branco... Onde trabalhei num escritório de demarcações de terra, ativo desde o tempo do próprio Barão do Rio Branco... Depois na cidade de Tristão de Athaide, em Minas, onde fui funcionário de uma livraria espírita... Depois em Paulo Coelho, na Bahia, onde trabalhei numa casa de iniciação à umbanda... Depois fui peão numa fazenda de Ariano Suassuna, fazenda esta que já havia sido de Genolino Amado, que herdara de Joracy Camargo, que lhe foi repassada por Viriato Correia, que ganhou de Ramiz Galvão, o qual herdou de uma sesmaria de Carlos de Laet... Quase fico dono dessa fazenda... Mas era muita conversa por ali... Tanta que quase viro andejo atrás de uma invenção de cavaleiro andante... Depois da fazenda de Suassuna eu morei na cidade de Ribamar, no Maranhão, e trabalhava como fumigador de insetos, onde meu maior que-fazer foi debelar um ninho de marimbondos de fogo que se instalara dentro de um sarcófago do Museu do Homem do Maranhão... Ali assisti à Revolta dos Ribamares, onde doze pretendentes à donos do Estado do Maranhão foram rechaçados na justiça pelo simples fato de que, na prática, já estavam na posse de tudo... 

 - Mas estou ouvindo um chiado... Será que é do meu gravador?

- Não é não Dona Magaly... É o meu radinho de pilha... Ele só dá sinal de vida quando tem alguma notícia importante... Vou aumentar o volume desse danadinho...

Ao assombro da hora. Pelo rádio à pilha de Makulelê se ouvia o entoar do inicio da Voz do Brasil. Quando se acotovelava ali, numa entonação de Repórter Esso, uma nota de estranho cunho revolucionário de “atenção senhores ouvintes”... É que o Brasil acabava de se transformar novamente em Império das Sesmarias do Brasil. O radinho gritava hurras ao novo regime. Em tom de trio elétrico. Logo houve uma explicação cabal, um preâmbulo de catapulta, com uma mistura delirante entre absurdismo, subversão e uma impossível tentativa de combinar efervescência com flatulência, donde nós, brasileiramente, somos atirados novamente na desdita da sorte política, barco à deriva, representantes do povo brasileiro que somos ou seremos, agora estupefatos, pois vindos de Brasília, muito avessamente, através dos representantes legais reunidos em assembléia nacional constituinte, afoitos e festivos, para instituir um estado monárquico, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais encastelados e individuais minimizados, tal o destino de muitos antes da queda da Bastilha, com a liberdade de ir e vir muito pouco assegurada, e com a absoluta garantia de que tudo agora seria deveras ponte-pênsil e por demais avesso aos momentos vacilantes.

- Outra vez uma revolução? Mas não chega a de 64?


Beto Palaio

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