MAKULELÊ DE CARTEIRA ASSINADA.
Makulelê logo
voltou a falar desses tempos de aperreio juvenil em Altamira onde, doze horas por dia, ele era mecânico de automóveis na oficina do Bira, também conhecida por
trazer no seu letreiro, já um tanto gasto, enganchado no alto de uma velha
paineira, uma placa carcomida pela chuva e o sol, onde mal se lia: Centro Automotivo Atlântida
- Proprietário – Bira Abravanel.
- A oficina do Seu Abravanel foi o meu primeiro emprego com
carteira de menor assinada... Motivo de orgulho...
- E depois?
- Depois eu fui para Rio Branco... Onde trabalhei num escritório
de demarcações de terra, ativo desde o tempo do próprio Barão do Rio Branco...
Depois na cidade de Tristão de Athaide, em Minas, onde fui funcionário de uma
livraria espírita... Depois em
Paulo Coelho , na Bahia, onde trabalhei numa casa de iniciação
à umbanda... Depois fui peão numa fazenda de Ariano Suassuna, fazenda esta que
já havia sido de Genolino Amado, que herdara de Joracy Camargo, que lhe foi
repassada por Viriato Correia, que ganhou de Ramiz Galvão, o qual herdou de uma
sesmaria de Carlos de Laet... Quase fico dono dessa fazenda... Mas era muita
conversa por ali... Tanta que quase viro andejo atrás de uma invenção de
cavaleiro andante... Depois da fazenda de Suassuna eu morei na cidade de
Ribamar, no Maranhão, e trabalhava como fumigador de insetos, onde meu maior
que-fazer foi debelar um ninho de marimbondos de fogo que se instalara dentro
de um sarcófago do Museu do Homem do Maranhão... Ali assisti à Revolta dos
Ribamares, onde doze pretendentes à donos do Estado do Maranhão foram
rechaçados na justiça pelo simples fato de que, na prática, já estavam na posse
de tudo...
- Mas estou ouvindo um
chiado... Será que é do meu gravador?
- Não é não Dona Magaly... É o meu radinho de pilha... Ele só dá
sinal de vida quando tem alguma notícia importante... Vou aumentar o volume
desse danadinho...
Ao assombro da hora. Pelo rádio à pilha de Makulelê se ouvia o
entoar do inicio da Voz do Brasil. Quando se acotovelava ali, numa entonação de
Repórter Esso, uma nota de estranho cunho revolucionário de “atenção senhores
ouvintes”... É que o Brasil acabava de se transformar novamente em Império das
Sesmarias do Brasil. O radinho gritava hurras ao novo regime. Em tom de trio
elétrico. Logo houve uma explicação cabal, um preâmbulo de
catapulta, com uma mistura
delirante entre absurdismo, subversão e uma impossível tentativa de combinar
efervescência com flatulência, donde nós, brasileiramente, somos
atirados novamente na desdita da sorte política, barco à deriva, representantes
do povo brasileiro que somos ou seremos, agora estupefatos, pois vindos de
Brasília, muito avessamente, através dos representantes legais reunidos em
assembléia nacional constituinte, afoitos e festivos, para instituir um estado
monárquico, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais encastelados
e individuais minimizados, tal o destino de muitos antes da queda da Bastilha, com
a liberdade de ir e vir muito pouco assegurada, e com a absoluta garantia de
que tudo agora seria deveras ponte-pênsil e por demais avesso aos momentos
vacilantes.
- Outra vez uma revolução? Mas não
chega a de 64?
Beto Palaio
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