sexta-feira, 1 de julho de 2011

UMA PEQUENA E EXCLUSIVA ENTREVISTA CONCEDIDA POR RAYMOND FEDERMAN EM 2009.

Por que você escolheu Beckett desde o início?

Comecei a ler Beckett em 1956 – tudo o que ele já tinha escrito – na época eu também estava começando a escrever um romance – o que Beckett me mostrou foi uma saída para a impostura do realismo [realismo como modo dominante de escrever ficção] – Mas, depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, tornou-se claro para mim que já não se podia cair na armadilha do realismo. Beckett também me ensinou que para escrever ficção é preciso ser capaz de rir.

Beckett é considerado o "secretário" de James Joyce, você acha que ele realmente escreveu algumas partes do Finnegans Wake?

Beckett nunca foi o secretário de Joyce [os que propagam essa idéia estão enganados]. Ocorre que Joyce usou e abusou do jovem Beckett. Quando Joyce começou a perder sua visão, ele ditava passagens do Finnegans Wake para quem estivesse disponível. Beckett admirava muitíssimo Joyce, estava familiarizado com os métodos de Joyce, e topou escrever fielmente o que Joyce lhe ditava. Não, Beckett não escreveu nenhuma parte do Finnangans. Mas Beckett é mencionado em Finnegans Wake. Na edição da Pengoin que eu tenho ele é mencionado na página 112.

Mas realmente ocorreu este episódio (deve ser isso o que você se refere como “escrever parte do Finnegans”). Vou contar como tudo aconteceu. Um dia Joyce estava numa dessas seções de ditado com Beckett, que ia, como sempre, escrevendo o que o mestre estava ditando. De repente, alguém bateu na porta e Joyce disse: “Entre!”.

Beckett , que anotava fielmente o que ouvia, escreveu aquele “entre!” no meio do que ele já tinha escrito do ditado.

No dia seguinte Beckett estava relendo o que Joyce ditara-lhe na seção anterior. Quando chegou no trecho em que Joyce disse “entre!”, a reação de Joyce foi “mas o que isto está fazendo aqui?”. Beckett explicou-lhe a origem daquele “entre!”, entretanto Joyce achou aquilo pertinente e quis manter o “entre!” no texto final do Finnegans, dizendo: “isso ficou bom, vamos deixar como está!”, então, a partir dessa inserção, o Joyce improvisou a tal citação (da qual falei antes) envolvendo a pessoa do jovem anotador Beckett. Eis a passagem:

“Parece que você se perdeu no mato, menino? Você ainda brinca que isto é apenas um palito nessa selva de gravetos? Você pode até gritar: Beckttitomando-me por um tronco de faia como se eu não tivesse a mínima noção do que está acontecendo aqui” (*)

Mas no geral Joyce está brincando com ele: pobre Beckett parece perdido no mato!...

Sobre o trabalho de Samuel Beckett EU NÃO (criado em 1972), você acha que esse trabalho realmente nos apresenta ao pós-modernismo?

EU NÃO é uma peça que não introduz o pós-modernismo – ao contrário, marca o fim do pós-modernismo – Em EU NÃO a humanidade é reduzida a uma boca – ou seja, torna-se um murmúrio de palavras – onde o corpo humano perde toda a sua faculdade, exceto o da fala, que se torna apenas um discurso monótono e distorcido... Mas se estiver interessado em ler o ensaio que escrevi sobre a morte do pós-modernismo – estou anexando para você – É inclusive um texto em que situo o Beckett no pós-modernismo.

(*) No original de Joyce: "You is feeling like you was lost in the bush, boy? You says: It is a puling sample jungle of woods. You most shouts out: Bethicket me for a stump of beech if I have the poultriest notions what the farest he all means".

CLIQUE: na peça NÃO EU de Beckett.

O blog de Federman.

Notícia do E-mail enviado por Simone Federman sobre o passamento de seu pai,

Nenhum comentário: