segunda-feira, 22 de agosto de 2011

CONTOS DA INTRÉPIDA VIAJANTE.

1

Capitão Fridtjof não fazia idéia de onde se encontrava seu garboso
barco viking. Bússolas desnorteadas. Runas sem respostas. Loiras
cabeças cozinhavam sob elmos sem brilho, debaixo de sol escaldante.
Marinheira caldeirada de homens. Ninguém se atrevia olhar o mapa.
Aquela planície sem fim de areia e cores intrigava a todos. O vento
morno e o mar calmo de águas quentes lembravam um grande lago.
Líquido de amores. Feminino ventre. A exaustão e fome precisavam
baixar âncoras. O masculino necessita explicação. Razão resposta.
Botes ao mar! Na praia deserta e sem fim, areias potiguares e
vítreoscascalhos. Miragem multicor. Botas estilhaçam o espectro
de Newton. Um gato preto descalço mia. Uma tribo de ébano passa
ao largo. Na falta de ciência e lógica tudo é atribuído ao calor e ao
cansaço. Peregrinação contínua. Pequenas mulheres aladas voejam
lançando sorrisos intanlegíveis. Negros seios redondos e firmes.
Encanto estupefato. Ao longe uma duna. Depois uma floresta de
olmos, seguida de fiordes e galegas esposamantes. Mar escandinavo!
A bruxa-anã marinha estala o dedo. O coletivo torpor é findo...

2

Do alto da árvore mãe só se via água, o tempo destemperou-se em
fogo e inundações. Agarrados ao tronco, suculentos e gordos frutos,
famílias inteiras de gente-bicho e todo tipo de insetos num empurra-
empurra de ônibus em fim de expediente. Ponto final. Parada. Tanto
corre-corre para nada. Inocentes e culpados, santas e meretrizes
mais, canalhas e cidadãos exemplares menos todos no mesmo frágil
galho. Farinhas no mesmo saco.Injustiça final. Os urubus esperam
ansiosos a cesta básica providencial. Tempo de seca, fome e miséria.
Madames de botox e tal carbonex intoxicam incautos vermes. Se
dos pobres é o reino, melhor enterro também. Adubo natural, sem
agrotóxicos. O irreal é manchete de jornal. O avesso é falta de direito
do cidadão. O proconada bateu as portas em narizes quebrados.
Noé caiu na água e desmanchou-se diante de quem só sobrou. A
mulher de ancas largas é boa parideira. O delegado foi comido pelos
volantes predadores. O bispo fugiu com a freira apaixonada pela
noviça. Ninguém a quem se queixar. Só o vô Sigmundo, já velho e
meio surdo. De repente falta luz e a tv sai do ar...O silêncio é total. O
mundo mudado emudeceu!

3

Nunca foi exatamente o que se estabeleceu por normal. Hiper-cinética,
falante, agitada, rebelde, desafiadora e insone. Cigana de si inventava
viagens–fuga a cada penca de abacaxis. Era a forma de se impor
prazos para resolver todas as lesmas tetraplégicas pendências que
se arrastavam lerdas pelo chão da casa e os obesos problemas
que ela mesma engordava. Naquele dia, como se não bastasse o
embananamento em que se encontrava, decidiu revirar os fantasmas
que habitavam as gavetas, a procura de um desimportante papiro em
particular. Estava em fase de overdose de si mesma. Na ausência
do tesouro de tolo ficou tão enloucofurecida que quase se atirava
pela janela, não sem antes anteceder tudo que estivesse à mão
inclusive a fiel escrava. Raiva faraônica... No piso os invertebrados se
retorciam por entre os papéis. Na cabeça os vermes da compulsão
comiam os pensamentos lúcidos... De repente largou tudo! Vestiu uma
calcinha, calçou os chinelos, meteu-se no roupão e foi se mumificar no
sarcófago de derreter loucura. Tamoutnéfret, cantante de Amon, e sua
gentil escriba, hieroglifava o ditado testamento diário... A barca dos
livros aguardava no rio...


Mônica Vasconcelos

Mônica Vasconcelos é uma escritora. Mas prefere ser mesmo a arquiteta e fotógrafa que é. Ela não vê a escrita como algo essencialmente necessário e urgente. Mônica, contudo, é dotada de um estilo fractal marcante. Em geral, nos seus mini-contos, os personagens não têm determinação suficiente para durarem além de um parágrafo. Mas que se eternizam mesmo assim. É o caso do Capitão Fridtjof que foi, inclusive, tema de uma xilogravura no Atelier J. Dantas, o mais conceituado no Brasil em se tratando de ilustração de cordéis, mesmo que Mônica nunca tenha escrito um cordél que seja. Porém ela imita na vida a coragem do Capitão Fridtjof, como quando alugou um jipe na Groenlândia e empreendeu sozinha uma viagem por aquele país mergulhado eternamente em neblinas num ambiente de costões isolados e recortados. Salve, Mônica, não pare de escrever, brava e destemida escritora!

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