sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Lavando o olho - Robert Breer


Conto 11

Todo começo deveria. Todo começo deveria ser. Simples assim quando para a ceia surgiu o anjo Gabriel, endeusando-os. O todo azul do céu também os endeusava. Um azul cobalto profundo que parece ter nascido assim para todo sempre, sem uma nuvem que seja. Sempre sem uma nuvem que seja. Assim como Johnny nem saberiam explicar. Assim como Johnny nem saberiam explicar, mas alguma coisa imensa mudava, naquele “mas” alguma coisa imensa mudava, naquele minuto, em que decidiu não procurar, no exato momento em que decidiu não procurar mais por Cathia. Naquela tarde azul, em que ainda mais doía por dentro. Doía por Cathia. Naquela tarde azul ele se pergunta: - Porque vim? ele se pergunta: - Porque vim de novo para cá? Johnny voltava novamente para cá. Ele fica um tempo passando pela rua de Cathia e depois Johnny retorna para o trem e vai embora. Desta vez ele vai embora para valer. Desta vez para sempre. - Para sempre mesmo! – E fim... Para mim é o fim! Johnny diz se ajeitando na poltrona daquele trem expresso, ao contemplar imagens misturadas pelo seu olho estar repleto. Das lagrimas. Ocultas. Pelas lembranças. Eles se sentaram nus, em gozo. Eles se sentaram nus, na areia morna, e contemplaram naquele momento, contemplaram o espetáculo do entardecer. - Será que ela é o próprio espetáculo do entardecer? - Será que ela está morta? Porque penso sempre nisto? Estará mesmo morta? Porque penso sempre nisto? Porque sonho com ela todo dia? Quem me garante? Porque sonho com ela todo dia? Se neste sonho ela está nua? Se neste sonho ela está nua no deserto? Ele pensa assim enquanto algumas aves cruzam o alaranjado além da paisagem que corre perseguindo os trilhos. Algumas aves cruzam o alaranjado do horizonte e saúdam o Sol. Magras explicações na força de explicar algo. Para quem quer entender o tempo. Na força de tentar alcançar o tempo de, novamente, dar e receber. Na força de dar e receber. Na força do existir. É quando o amor do existir se esfacela. É quando o amor domina o demônio, esfacela-o, e convida o demônio da solidão, para novamente esfacelá-lo. Johnny pensa na floresta fossilizada. Onde Cathia deixou-se fotografar. Postada sorrindo na floresta fossilizada. Onde Cathia deixou-se ficar lânguida. Ela ficou totalmente pelada e ele a fotografava. Ela ficou totalmente pelada e sem acanhamento com a câmera. Ao pé, sem vergonha da câmera. Ao pé de uma antiga sequóia. Agora reduzida a um amontoado de fóssil do que foi um dia uma antiga sequóia. Agora reduzida a um tronco de vidro. Raiada de estrias como tem de ser mesmo um tronco de vidro. Raiado de cores. Misto de porcelana chinesa em cores. Magma. Misto de porcelana chinesa com lágrimas de âmbar. Uma minúscula ode ao eterno com lágrimas de âmbar. Um pequeno oásis seco no imenso deserto. Subindo esse oásis seco no imenso deserto. Eles voltaram para a rodovia. A Rota 66. E era um dia de domingo subindo para o promontório dos dias iguais. Como ruinosas estalagmites. Dias que nunca mudam num promontório de datas que escorregam como pingos criando perniciosas estalagmites. De sorte que eles se foram. De sorte que eles foram mais cedo. Ao flagrante de um deserto de areia que se derretia como pão molhado em água quente. Ao flagrante de um amor inesquecível, em estacionamento de folhas caídas, memorável, pingando em estalagmites. Momentos de não mais existir. Ao contemplar em meio da escaldante Rota 66, ele e Cathia, faziam coro com os pterodátilos esticados na pedra de ardósia para eternizarem-se. Fósseis do amor. Eternizados em creosoto e ardósia. Piche e pedra. Quando pela manhã daquele dia. Com o cinturão de Orion já se apagando no horizonte. E o ruído da areia perpetuamente se esfacelando. Johnny tomou um punhado daquela areia e olha Cathia, enquanto ela permanece nua, e olha Cathia nua aguardando ser fotografada. - No sul as montanhas também desmoronam... Ele disse essa coisa besta. - Ali elas são feitas de arenito e se esfarinham como se fossem pão molhado na água quente... Com o passar das horas. Logo eles chegam aos domínios de se acharem tão habitantes do deserto como aquele lagarto seco que encontraram no acostamento da Rota 66. Fim. Johnny está no trem, indo embora para sempre. - Eu sinto a falta dela... Eu sinto a falta dela, como o deserto também sente... Eu sinto a falta dela como o deserto sente a falta da chuva...

Beto Palaio

Um comentário:

Luiza Maciel Nogueira disse...

Espetacular! Com imagens vívidas de um entardecer cheio de cores e saudade. Adorei, é uma estória e tanto. Beijo