segunda-feira, 29 de agosto de 2011


DELETE

Nisto o autor deu-se por entendido. Displicentemente dobrou as folhas,
nervoso ao apertá-las nesse intento. Sua constância deixou de ser
coerente. Escrevera tudo aquilo como que trocando nossas letras por
um prato de comida. Algo para se sentir um mendigo. Até que sua
consciência lhe cobra um paradeiro: “você ainda está perseguindo o
tema?”. E o autor dizendo destemperadamente: “não viu que guardei-
o?”. Mas ainda é sua consciência quem cobra: “mas, e o final?”.
Farfalhando folhas, o autor tresloucado passa a rasgar o calhamaço
de um romance promissor: “o final está aqui!”, diz, sem piedade,
picando o imbróglio. Ele prefere a fuga, ao invés de um universo
inteiro que sempre lhe oferece soluções nas miragens criativas... “Toma!
Toma!”... E depois parte para o computador, onde aquele texto flutua
em folhas eletrônicas, inventadas para nos entreter, e tchum na tecla
DELETE. Apagando tudo. Aooooooo! Uivando como um lobisomem
ferido. Sentindo-se vazio na companhia de polvos, cracas e ouriços
numa gruta marinha qualquer. Um mundão de letras em fuga
se comprimem na escada rolante da saída. Letras que retornam à
sopa universal. Antes eram idéias incolores cinzas que dormiam
furiosamente. Porém em ordenada prontidão como em aríete, colar,
cocada, escada, lei-do-cão, ovelhas, pirilampos, pacto, inferno,
verdade... Porém, de si para si, ele diz que palavras são
mentiras de ocasião. Agora, até sente um alívio. O todo do texto está
deletado e afundou na neblina azul-cinzenta na tela do laptop... E
depois se finí... Como na vida real...

Beto Palaio

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