domingo, 7 de agosto de 2011

LINKSIS PARA OS DIVERSOS CÍRCULOS DE GIZ CAUCASIANOS

O Círculo de Giz Caucasiano é um tema de Brecht que lembra um pouco da fatura criativa de Shakespeare, isto por introduzir fatos históricos e políticos em enredos mirabolantes. Aqui tentaremos recriar, resumidamente, algumas versões aquém do estabelecido originalmente para o Circulo de Giz Caucasiano. Deste modo esperamos conseguir, sob o enfoque da novidade, três novas versões mantendo o magnífico título. Na primeira tentativa, tateando a vastidão do tema, afirmamos que o Círculo de Giz Caucasiano é a estória de uma mãe que abandona o filho para viver suas vaidades ainda em flor. Isto faz recordar o tema do próprio Brecht, mas ao pormenorizar o fato descobrimos que a estória que ora se apresenta refere-se a um par de gansos que emigrou para sua terra natal por ocasião do verão. Tudo, e em tudo, a falsa premissa de que ali realmente seria a terra da promissão. Debalde, entretanto, para a desgraça desse casal empenado, um desses gansos caiu numa armadilha que consistia apenas uma casca de noz colocada dentro de um circulo de giz. Evidentemente aquilo pareceu à estúpida ave como algo apetitoso, mas quando ela acercou-se da casca vazia recebeu em cheio um balaço de um caçador oculto apenas por galhos secos que não despertavam suspeitas, mesmo estando ali displicentemente empilhados. Esse caçador levou o ganso morto para casa, mas sua mulher havia partido com o único filho do casal e deixara um bilhete lacônico: "marido, enquanto você passava os dias oculto no mato, ocupado em observar seu circulo de giz, eu conheci um soldado caucasiano e com ele fugi. Levei o bebezinho comigo, pois não tenho também certeza de que ele te pertence". Desta maneira aquele camponês, após reler atentamente cada linha daquele fatídico bilhete, deixou o ganso morto na mesa da cozinha e tomou da espingarda indo se acomodar no pórtico. Lá ele tirou uma das botas de couro sujo, ajeitou o cano da espingarda sob o queixo e, com o dedão do pé, procurou pelo gatilho. Tudo exatamente como fez Ernest Hemingway para acabar com sua própria vida... ATENTAI A ISTO: já se pode ouvir a grita geral dos puristas em relação ao Círculo de Giz Caucasiano que fala de questões como justiça, guerra e amor maternal; ao contar a estória de Miguel, o bebê filho dum Governador assassinado durante uma revolta. Ele foi abandonado pela mãe, Natella Abaschvíli, mais preocupada em salvar sua própria cabeça (e seus vestidos). Entretanto é salvo por Grusche, uma empregada que põe sua própria vida em risco para cuidar da criança. Mais tarde, a mãe postiça recusa-se a entregar Miguel à mãe natural... Aqui, novamente o fantasma da versão original do Brecht tenta se postar de propósito como uma pedra no caminho para o novo tema, e é quando se descobre que uma energia longa e permanente, parecidíssima com o final de A Day in the Life dos Beatles, adentra no enredo e esmiúça uma valise de mão que uma passageira por nome Dolores Haze carrega dentro de um ônibus da Auto Viação Cometa indo de São Paulo para Belo Horizonte. Da janela lateral do ônibus via-se uma igreja, um sinal de gloria, um muro branco, um círculo no asfalto e um pássaro. O destemido guarda da Policia Rodoviária, deixou de lado a cidadã mexicana Dolores Haze e pediu desculpas pelo exagero. Depois desceu do ônibus e foi até o meio da rodovia onde estava o circulo de giz excepcionalmente bem desenhado. Dizem que nenhum Halley é mais brilhante que o momento de nossa libertação dos entraves terrenos. O bravo soldado da Policia Rodoviária adentrou o circulo de giz. Naquele momento um tom de carmim translúcido envolveu o homem em luz e drama. Um caminhão à toda velocidade o abduzira em cheio quando ele se postou no meio do circulo, ao mesmo tempo em que, ali perto, alguns cavaleiros marginais lavados em ribeirão estenderam a mão para aquele espírito recém liberto. Ao redor dali estávamos todos adentrando o mês de Setembro. As boas novas andavam nos campos e semeava-se uma canção no vento. Então o motorista do ônibus da Cometa desligou o rádio que tocava Beto Guedes. Em seguida todos seguiram viagem para Belo Horizonte. E ATENÇÃO PARA MAIS ESTE ENFOQUE: conta-se a história do círculo de giz caucasiano, onde tudo acontecia dentro dele, inclusive um rapazote de aparência frágil, olhar penetrante e portador de um perverso charme para ouvir confissões alheias. Esse moço fora criado sem mãe, dispensado que foi como um embrulho em porta alheia, embora de pronto adotado por um pianista de cabaré da Lapa. O pai adotivo, graças a sua vida noturna cercada de fumaças de cigarros e licores variados, quis batizá-lo de Invino Veritas, algo que o tabelião reprimiu na hora do registro. Contudo o menino não foi poupado do nome Somellier, o que no fundo dá no mesmo, pois "somellier" é o nome que se dá à pessoa que passa a vida testando vinhos. Foi assim que Somellier das Neves veio ao mundo das notas musicais dissonantes, sempre cercado de competentes compassos vindos do piano do pai que batalhava duro para fazer as contas baterem no final do mês. Somellier cresceu praticamente sozinho. Adquiriu do pai o gosto pelo andar notívago. Ele era um andarilho da meia-noite a procura do encantamento da hora. Somellier tinha o poder de encantar uma mulher com suas carícias. Era um homem de aço nas suas determinações. Tinha sempre grandes planos não executados. Mas estava sempre sozinho. Entretanto, de todas as maravilhas da existência, a coincidência é a grande deusa. Uma noite Somellier das Neves andava nos baixios dos Arcos da Lapa quando avistou uma moça fazendo um círculo de giz no meio do asfalto circundante. Ali a moça depositou uma galinha viva que sequer fugiu quando a bela moça se afastou do círculo que desenhara. Sommelier ficou curioso e foi perguntar para a moça se aquilo fazia parte de algum ritual satânico, já que a galinha não fugia do círculo. A moça, um dos casos ocasionais que ele sequer reconheceu, lhe disse vagamente sobre prender a alma de alguém que lhe ferira muito. Somellier achou aquilo muito bizarro, mas no dia seguinte encontrou a seguinte mensagem na sua secretária eletrônica: "meu caro, alimente a galinha que está presa dentro de você. Ela se chama solidão e estará ocupada cada minuto em fazer rodar um círculo de isolamento permanente". Sommelier apagou a mensagem, e nunca mais pensou nisto. Mas continua solitário até hoje como se vivesse eternamente preso dentro de um círculo de giz caucasiano.

Texto: Beto Palaio / Pintura: Ian Davenport


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