quarta-feira, 31 de agosto de 2011

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COWBOY COCA-COLA

Ela atendeu ao telefone e me disse que estava sozinha e cansada. Mas parecia que estava atendendo ao telefone da cama e que estava com mais alguém. Cismei que estava mesmo com outra pessoa na cama e disse isto para ela. Em seguida ela bateu o fone do mesmo jeito que vinha fazendo de uns tempos para cá...

- Não me ligue mais...

Agora ela desligava o fone na minha cara por qualquer coisa, mas quando a conheci era diferente. Ela ficava o tempo todo falando que eu me parecia com o Clint Eastwood e que tinha o cabelo parecido com o de Robert Redford... Agora a coisa é outra... Ela passeia com seu namorado, um cara que mais parece um soldadinho de chumbo, obediente prá caramba, seguindo-a como uma sombra.

- Sei que você está com ele... O seu garotinho de recados... Não acredito que teve a coragem de me trocar por ele...

- Já te pedi para não me ligar mais... Você é um cowboy fajuto... Você não passa de um cowboy coca-cola...

- O que te fiz de errado? Posso saber?

Mas ela nunca falava e por fim desligava o fone na minha cara:

- Não me ligue mais, por favor...

Passei a andar sozinho na noite. Como um lobo fuçando os becos noturnos. O brilho das estrelas, a fachada das lojas e os luminosos me atraiam. Passeava minhas botas por toda calçada onde qualquer festa estivesse rolando. Minha tristeza era evidente. Não queria mais ninguém ao meu lado. Acontecia às vezes de ficar numa esquina, no meio de uma chuva que por acaso estivesse caindo. Ficava ali observando as pessoas se escondendo, enquanto eu aceitava a chuva como um lenitivo para minha indiferença. Até o meu relógio parecia se mover lentamente, mas passara já um bom tempo... Sei lá se quatro ou cinco anos... Nunca mais soube dessa mulher... Era raro, mas acontecia às vezes de sonhar com ela... Embora soubesse que isso era coisa do passado e, desta maneira, procurava esquecê-la...

- Ela já deve estar muito longe dessa cidade... Com certeza sim...

Ultimamente eu gostava mesmo era de ficar em casa. Abrir uma lata de cerveja e assistir aos filmes de cowboy na TV... Para isto eu puxava as cortinas da sala... Ficava confortável no sofá e me metia num mundo que somente eu habitava.

- Deus abençoe a televisão...

Numa tarde de sábado estava vendo o final de uma das aventuras do mascarado Zorro que sempre ofertava uma bala de prata ao desfavorecido que fosse auxiliado por ele e, resolvida a questão, Zorro rapidamente saia e empinava o seu cavalo: “Aioouu, Silver!”. Depois partia rumo a novas aventuras junto com Tonto, um índio que era o seu fiel escudeiro... Então, de repente, o telefone tocou... Deixei de lado o final do Zorro e fui atender...

- Sim... Pois não... Sou eu mesmo...

Eu reconheci imediatamente a voz daquela ingrata. Agora, cinco anos depois, ela me ligava.

- O que você quer?... Disse eu rispidamente para encurtar a conversa.

- Ver você...

- Mas e o soldadinho de chumbo? Dispensou o moleque?

- Não começa... Só queria te ver...

Fiquei um tempo em silêncio e depois respondi que topava falar com ela. Falei dos motivos porque eu toparia voltar a vê-la. Disse da impertinência dela em ter me tratado como um cachorro sem dono há cinco anos. Acrescentei que minha vida mudara muito e que nem queria mais saber de perder tempo com aventuras. Falei tanto, desabafei de verdade, mas logo percebi que estava falando sozinho:

- Alô... Alô...

Ela tinha desligado, e esta foi a última vez que soube da pessoa que mais amei.


(Beto Palaio)


Arte:Robert Mars - Bottoms Up - 2008 - Técnica mixta

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