segunda-feira, 26 de setembro de 2011



CABEÇAS NA CAIXA.

Uma manhã dessas eu segui o meu desejo de cair fora. “Cuidado com o acostamento”. Na verdade não existe acostamento nessa estrada. Uma ladeira, depois outra, depois outra. Lama na praia. Um cara tocava pandeiro. Só um pandeiro e mais nada. Havia uma caixa de isopor abandonada perto da arrebentação. Silenciamos por dentro. O mar, eu e minha amiga. Segredos que mantemos dentro de nós. Doces e amargos. O mar não te oferece doces nem amargos. Ele salga. “E o que haverá dentro daquela caixa de isopor abandonada?”. Eu disse, imaginando, que seria o lanche de alguém, possivelmente alguns sanduiches e uma garrafinha de coca-cola... Vazia”. Completei eu. Ela foi mais ferina. “Talvez haja ali dentro a cabeça decepada de alguém”. E fomos ver. Pois nem o dia ainda se pronunciara. Nem a favor de chuva, nem a favor de sol. E estava feio. O tempo, gris, com nuvens. Enevoado pacas. “Se for uma cabeça eu vou vomitar”. Disse isto deixando para trás minha sandália plástica amarela. Ela garantiu que não vomitaria. “A chance de haver ali, dentro da caixa de isopor, uma cabeça de alguém, é remotíssima”. No espaço de uns cem metros. Apenas com a claridade do sol ameno. Pensando se abriríamos ou não. Aquela caixa de isopor. “Pare de falar e corra”. Corremos ambos em direção à caixa de isopor que agora flutuava numa onda maior que veio até ela. “A caixa vai embora, corra”. Já não podíamos ignorar. Nem eu, nem ela. Que o mar estava traiçoeiro naquela parte da praia. Pedras pontudas no lugar de areia. “Ai... Me ferrei!”. Cortei meu pé tentando recuperar a caixa de isopor. Mas não consegui. Ela avançava, onda após onda, mar adentro. “É minha cabeça que está indo embora com aquela caixa”. Garanti isto para ela, já na segurança da areia, mas com meu pé sangrando. “É a minha cabeça também”. Disse ela, colocando a mão em palma sobre os olhos, tentando ver o mais fundo possível. A caixa branca de isopor parecia estar alegre, dançando, indo embora, flutuando sobre um mar ensarilhado. “Ambos perdemos nossas cabeças para sempre”. Longe, como um pedido de SOS, nossas cabeças estavam indo embora. Sempre cada vez mais fundo, mar adentro.

Beto Palaio

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