sexta-feira, 2 de setembro de 2011

AZULEJOS RECORTADOS EM GAUDÍ E CORTÁZAR.


Toco a sua boca com um dedo, toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se, pela primeira vez, a sua boca entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que minha mão escolheu e desenha no seu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade, eleita por mim para desenhá-la com minha mão em seu rosto, e que, por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que minha mão desenha em você. Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõe-se, e os ciclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem, com um perfume antigo e um grande silêncio. Então as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se estivéssemos com a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água. Lo que me gusta de tu cuerpo es el sexo. Lo que me gusta de tu sexo es la boca. Lo que me gusta de tu boca es la lengua. Lo que me gusta de tu lengua es la palabra. Que vaidade imaginar que posso lhe dar tudo, o amor e a felicidade, itinerários, música, joguinhos. A verdade é assim: meu tudo eu te dou, é verdade, mas tudo que eu tenho não é suficiente como para mim não é suficiente que me dê tudo seu. Por isso nunca seremos o casal perfeito, o cartão postal, se não formos capazes de aceitar que apenas na aritmética o dois nasce de um mais um. Por aí um papelzinho que só diz: Você sempre foi meu espelho, que dizer que para me ver tinha que olhar-te.Te amo por ceja, por cabello, te debato en corredores blanquísimos donde se juegan las fuentes de la luz, te discuto a cada nombre, te arranco con delicadeza de cicatriz, voy poniéndote en el pelo cenizas de relámpago y cintas que dormían en la lluvia. No quiero que tengas una forma, que seas precisamente lo que viene detrás de tu mano, porque el agua, considera el agua, y los leones cuando se disuelven en el azúcar de la fábula, y los gestos, esa arquitectura de la nada, encendiendo sus lámparas a mitad del encuentro. Todo mañana es la pizarra donde te invento y te dibujo, pronto a borrarte, así no eres, ni tampoco con ese pelo lacio, esa sonrisa. Busco tu suma, el borde de la copa donde el vino es también la luna y el espejo, busco esa línea que hace temblar a un hombre en una galería de museo. Además te quiero, y hace tiempo y frío.

Júlio Cortázar



2 comentários:

Luiza Maciel Nogueira disse...

Obrigada por essa belíssima postagem. Faz bem ao espirito. Beijo

jfabiobarbosa disse...

Desenhar a boca da mulher amada perfeita com as próprias mãos...
(?Las mano de Dios?)
Maravilhar-se em constatar que precisamente a mão que acaricia a boca em que se toca coincide com a representação da BOCA PERFEITA...
Esses argentinos são um perigo!!!
Muito bonito Zé!
Parabéns e um grande abraço!