segunda-feira, 26 de março de 2012


Nêgo Mickey tinha uma verdadeira escola de sacanagem bem ali no Pelourinho.



ALÊU E A SEREIA (VIII)


BaHIaSal+Vador= Ao ponto do não retorno. Roma inventava gladiadores ilustres, para depois atirá-los aos leões. O que parece ser, de longe, um insignificante gesto. Na cidade de Salvador as regras são definitivamente iguais. Tudo aqui é o prazer do bom momento. Foi assim que algo começou entre os pombinhos. Alêu conheceu Nazaré quando ele era servente de pedreiro e morava nas obras em que trabalhava. Numa tarde de Sábado, ocupado nas funções deste ofício, foi que ele viu sua pretinha pela primeira vez. Alêu estava pendurado num andaime, e lá de cima descreveu para ela as suas intenções: “ei gostosa! Qué namorá mais eu? Ô doideira de baianinha! Eu fui criado para zoar com uma deusa linda... Assim como você”. E de fato eles viveram um grande amor. Uma paixão sem limites. Brindada pelo especial tempero da Bahia. Um amor rico, e sem fim, como a Igreja do Bonfim. No jeito para flutuar no céu azulzinho e vir pousar na Ladeira do Pelourinho. Fatal para voar de balão aos sobrados da Abolição e se espreguiçar bem matreiro na Baixa do Sapateiro. Amor para vadiar faceiro passeando no Rio Vermelho e entreter-se nos atabaques dos santos de terreiro. Paixão para passear no Mercado Modelo, descansar na Igreja de São Francisco, e espreitar a Praça da Sé, com baianas vendendo acarajé. Namorico de andar sem pressa, vendo lá longe, água escura em areia branca, a lagoa do Abaeté... Alêu freqüentava esses lugares todos desde menino. E sabe tudo desta cidade. Decorou tudo quanto é festejo. Quais as do ciclo das festas de largo, que agita Salvador em Dezembro, com a festa de Santa Bárbara, e vai até fevereiro com a Festa de Yemanjá. Festejos que depois desemboca no Carnaval com a força e a tradição da raça. São mais de dois meses de festividades unindo atos religiosos aos profanos. Barracas são armadas ao longo das praças e largos da velha cidade de Salvador e tudo acontece, desde a cerveja consumida em grande escala, aos quitutes e pratos baianos dos mais sofisticados, com aromas intensos, cores vibrantes, sabores picantes e também muito som, muito batuque, muito agito com turistas misturados aos oriundos, todos zanzando para lá e para cá... Mas é da Ladeira do Pelourinho que Alêu carrega na memória uma festa maior. A festa de um contador de estórias que segredava a cultura mundana à uma molecada ávida para o descortinar do amor carnal. Uma aula em primeira mão de quem comeu quem, quem deu para quem e outras miudezas que só podem interessar ao vulgo das ruas. Essa voz dos becos vinha diretamente do maior conhecedor de sacanagens da Bahia: o saudoso Nêgo Mickey. A alegria de quem adota a rua como domicílio, assim como o Alêu, que no Pelourinho ouvia sempre a voz esganiçada e safada de Nêgo Mickey. Esta vindo fantasmagórica e malandra de um passado agora distante. Aquela voz tinha o dom de lhe cavoucar lembranças das mais engraçadas. Nessas ocasiões parecia que ele via o Nêgo Mickey na calçada, cercado por uma fieira de garotos: "A primeira atividade de amor despudorado no Brasil aconteceu bem aqui no Pelourinho... Foi quando um feitor português comeu uma escrava na frente de todo mundo... Não é estória não... O português cravou a pica na pretinha aqui mesmo... A lenda diz que foi um tipo de castigo, sim senhor. Mas será que foi mesmo?". Nessa praça histórica no centro antigo de Salvador. Alêu aprendia tudo da história natural do sexo. Dando trela para essas e outras parolagens vindas daquele rotundo e desocupado Nêgo Mickey. O qual principiava sua oratória sem-vergonhista ao descrever as utilidades da chavasca, para isso escolhia palavras de um dicionário que só existia na cabeça dele. Num recitatório. Como no caso das palavras iniciadas com a letra dê, "para se sentir primeiro como o dedo, depois com o desejo de penetração", dizia o poético Mickey, e acrescentava uma relação de nomes vaginais principiados com dê: "com esta letra temos dedilhada, disgramada, dita cuja, dona-ceta, dondon e duciléa...”. Logo o Nêgo Mickey saltava, aleatoriamente, para outras gentis palavras explicando as receitas de simpatias de alcova decoradas pelo povinho dos becos e vielas: "essa simpatia que vou dizer é um estrago para principiar penetrando lento e depois partir para o estrago enchendo tudo de porra...". Só a partir deste espetacular preâmbulo é que o leão da Metro da sabedoria chinfrim dava a tal receita para o aumento de potência do canhão de carne, que é composta de uma mistureba de ovos de codorna, ovos de pata, cerveja caracu e açúcar: "com essa simpatia qualquer menino que seja, aumenta em cinqüenta por cento o poder de mandar a porra bem longe... De esguicho... Não acreditam?... É só experimentar...". Os moleques ficavam bobos com tanta erudição gratuita com suas safadas simpatias: "querem aprender uma simpatia para a perereca da menina abusada voltar a ser de uma moça virgem?... Pois, em qualquer farmácia tem prá se vender uma pedra milagrosa chamada de pedra ume e é só passar a tal pedra no orifício vaginal que o mesmo ficará pronto, ao de novo, para uma cacetada inaugurativa...”. Arremata-se que. Como tudo nesta vida tem de chegar a um final. Imitando as idas e vindas da maré nas inhaúmas de pedra. Depois de um tempo nunca mais se ouviu falar do Nêgo Mickey; nem no Pelourinho, nem em qualquer outro lugar de Salvador... Dizem que ele foi para o Recife... Ou mesmo para o Rio de Janeiro... A molecada lamentou a ausência das aulas apimentadas na escola da Ladeira... E lamentaram muito mais ainda toda a coleção dos livrinhos safados do Carlos Zéfiro que o Nêgo Mickey levou embora com ele... A escola de safadeza local havia perdido seu maior mestre... Mas Alêu agora está numa Salvador diferente, com os fuscas tomando o lugar dos carrões rabos-de-peixe e das charretes puxadas à cavalo e com muito moço da sua idade vestindo terninho para virar office-boy para alguma empresa petroleira de Camaçari que naquela cidade mantém suas atividades de administração...


Beto Palaio

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