terça-feira, 27 de março de 2012


Sim, porque os escolhidos para ficarem juntos nesta vida são como seres idênticos diante de um espelho.



ALÊU E A SEREIA (IX)


NoVIDa+desnaMão= Alêu agora quer esfriar a cabeça. Naquele sábado em que, no momento do gozo, Nazaré discorreu sobre a visão de um carcará, Alêu saiu afim de dar um tempo longe dela: “Eu vou é prá Fonte Nova... O lance é não marcar bobeira!”. Mas Alêu foi mesmo é para Amaralina, andar entre os barraqueiros, onde o canto hippie dos anos sessenta é entoado nas belas praias da Bahia. Ali a moçada é papo firme e, de Arembepe para cima, tudo é jóia rara e tremendão. Porém, para os caretões, os anos sessenta são aqueles que exigiam juízo e condutas temerárias. Onde o respeitoso cidadão é chamado de “fariseu” e respeita a falácia rezada nas cartilhas de educação moral e cívica. Assim difundiu-se a filosofia cartorial de que, se o careta marcar bobeira, ou berra no fio elétrico ou chamusca no trêzoitão. Entretanto, no fuzuê de cantos afro-baianos. Na juventude praiana. Um certo Aleuzenev ferve de vontade de sair por aí viajando de carona. Quer sentir o vento no rosto, e ir apreciar a paisagem e os tipos humanos que ladeiam a Rio-Bahia. Para ele somente. Uma estrada sonhada que vai levá-lo um dia para a Cidade Maravilhosa. Alêu está querendo pegar uma carona no Expresso 2222, mas está preso no seu destino soteropolitano. Num tal zelo que nem percebe que a intentona de 1964 está disfarçada de dinossauro e carimbando o destino de cada ser pensante neste Brasil. Neste ínterim, ao peremptório, entre inocente e iludido, Alêu estava morando, meninote ainda, até bem pouco tempo, em Água dos Meninos. De resto, ele chegou a ter sua mãe na zona e desconhecia que seu pai havia sido um dos mais respeitados Presidentes da República. Agora, passado o sufoco da adolescência, ele arranja modos de se firmar na crista da onda. Mesmo estando sozinho, entrementes, sendo um moço formoso, costumava dormir de graça na casa de uma quenga ou outra. Com elas Alêu trepa só por gosto e elas nunca deixam que ele pague a conta. Ocorre então dele, após o desentendimento com Nazaré, ir dar um passeio num parque de diversões na Fonte Nova, onde ele topa por acaso com uma linda jovem. Ela entretida só de ver ao gira-gira da roda-gigante. Daquele dia ele nunca esquece, pois era oito de Dezembro, o Dia de Santa Bárbara. Dia mais lindo ainda. Com o crepúsculo bordando a cidade. Nenhuma nuvem inesperada naquele céu tão lindo. Belezas que desempedem qualquer risco. Neste trocar de luzes. Alêu se maravilhou de imediato pela donzela e, de olho guloso nela, dá uma volta comprida em torno do tablado dos cavalinhos, depois passa direto pela barraca das prendas e vai ficar bem atrás dela, quase roçando em seus belos cabelos anelados e diz, dando um alegre susto na menina: “quer passear na roda-gigante, minha princesa?”. Ao voltar-se para ver quem mexia com ela, a moça que se chama Mangagaí dá de cara com o seu espelho. Sim, porque os escolhidos para ficarem juntos nesta vida são como seres idênticos diante de um espelho. Mangagaí fica atarantada em ver um moço tão faceiro lhe propor algo para a qual ela não estava esperando. Com isto ela fica sem ação apenas olhando para Alêu, que torna a repetir o convite: “será que assustei você?... Que desastrado eu sou... Só queria dar uma volta contigo na roda-gigante... Quer?”. Logo Mangagaí se protege: “eu não posso... Me desculpe... Estou acompanhada pela Irmã Marina, que está nos olhando... Veja... Me desculpe, tá?”. Nisto Aleuzenev vê se aproximar uma freira e sem que falassem uma palavra sequer com ele, as duas juntas se afastaram... Porém... Já um pouco distante... Mangagaí volta o rosto e lhe dá um sorriso... Oferece-lhe este resumido sinal e vai embora com a freira. Sozinho Alêu ainda murmura: “que saco!... Essa gatinha é interna de algum convento de freiras... Pode?”...


Beto Palaio

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