domingo, 25 de março de 2012


""Siga o carcará... Siga o carcará...": um estranho aviso para Alêu.


ALÊU E A SEREIA (VII)


SiGAo+CARcará= O homem inventou certas frases que caem bem em qualquer contexto. Guarda-te do boi pela frente, do burro por detrás e da política por todos os lados. Esta é uma delas. Eis outra: a Babel emaranha o entendimento, o condor plana no firmamento e o amor se esconde, em fingimento, nas folhagens do comigo-ninguém-pode. Mesmo ao acaso há esperanças quando surge a oportunidade de uma boa explicação. Pois a vida é um oceano que se oculta num dedal raso d´água. E o nosso personagem parece até que entende muito bem deste riscado. Perto de completar vinte anos de idade. Alêu freme. O amor é um vírus oriundo do planeta Castidade. Enquanto em Salvador. No perfume da maresia. Os dias são mágicos. E prometem surpresas infindas. Observe que. Os dedos corrediços das ondas, ao mar retornam. Chora o coração que se ufana e se abisma. E a juventude o usufrui com alma ardente e pés descalços. A lua é, nesses momentos, apenas a Tetéia, uma fã de circo e malabares. Assim o destino de cada um se aventura e se alarga. No ofício de florejar o novo. Os sinos da Bahia tangem o som dos pombos apaixonados. O épico de outrora renasce com o sol ardente. O amor-fênix se apresenta por inteiro. Inflama-se tal palácio de cristal diante de um depauperado deserto. E o verde renovado da folhagem derrama-se por toda capital soteropolitana. Nas amuradas o ouro se esparrama em forma de luz. Nas faces jovens brilha o desperdício do ourives. O riso, os corpos, os gozos, os reflexos da ternura, mais e mais, engendram casais. E o Recôncavo alvoroça-se. Agora em meio rosto, agora por inteiro. Tudo age em pleno luzeiro. Mesmo aos descalços, filhos do proletariado, o amor chega por igual. Excessivo é o lume na caldeira do amor. Até o incauto Alêu se espicha na areia movediça e se entrega para as feiticeiras apaixonadas... “Gente, cheréca é bom... Mas o cheirinho é de lascar!” Isso disse Aleuzenev ainda deitado observando sua fêmeazinha que acabava de sair do banho. “Ah, não seja besta Alêu... Você despreza, mas daqui a pouco vai querer tirar um sarrinho... A mim você não engana não...”. Realmente, o Alêu está é pancadão de tanto peneirar um jazz black love com a sua mulatinha Nazaré. Ele havia passado o dia inteirinho fora e quando chegou no apê se espichou na cama e logo deu de cara com Nazaré nuínha e, ao contrário do que ele falou, ela estava se perfumando com requintes de espalhar talquinho até no amontoado bombril dos pêlos negros de seu púbis... A TV na sala estava ligada no seriado do herói japonês, o National Kid, que foi interrompido para comunicação extraordinária, onde o Presidente da República, vestindo um fardão engomado, acabava de baixar um Ato Institucional que deixou o país inteiro mergulhado em silêncio, o Ato Número Cinco. Tudo feito nas piores intenções possíveis... Porém, nem Alêu nem Nazaré se deram conta da notícia nefasta, pois Alêu quando viu que a morena estava no ponto para um forrózinho, caiu foi de boca soprando e lambendo talco Johnson... “Gostoso demais, Nazaré... Com talco eu nunca tinha experimentado... Agora vem... Vira do jeito que eu gosto...”. Ao bater na porta do céu os beijos são de pelúcia, e as carnes de cetim. A xãna repleta do tenso nervo. Afoitos e lestos. O espôrro, o grito, o tesão, a raiva, o ódio e a malícia impulsionam os diversos jogos existentes desde a idade média até os tempos atuais. Jogos como o pião, a amarelinha, o jogo do ossinho dentro do saco, o gamão, o pula-carniça, o tiro ao alvo, o jogo do fio esticado, a cama-de-gato, o jogo do assassinato sob a proteção da lei e outros não menos formosos. Temos jogos em profusão com o rei destino gritando de sua janela e descrevendo mais e mais contendas onde tudo se iguala e se nivela, seja ele proposto para uma lagosta, uma leguminosa ou um cão. Quanto ao que está traçado pelo atento destino, em seu ato silvo de descrever, incluem-se jogos mui harmoniosos e gentis, estes envolvendo seres desimportantes e pequeninos, mas com acréscimos de dores tão imensas que em comparação fazem com que o gigante Júpiter se revele como algo ínfimo, tal e qual um jardinzinho florido para a visitação de abelhas melíferas... “O carcará!... Siga o carcará, meu amor! Siga o carcará!”. Aleuzenev da Silva, o Alêu, está num apê no centro de Salvador peneirando Nazaré, que é uma mulata muito boa de cama, mas que bobéia e fala coisas disparatadas e absurdas ao sentir que se aproxima o jato do gozo. Alêu já ouviu coisas estranhas vindo dessa mulata. Ditas justo neste momento próprio para um "eu te amo" ou um "goza, meu bem", porém agora ao ouvir a ordem de seguir um gavião carcará, ele sente um quase impossível desejo de refrear a gozada e de cair fora... Vontade de pegar a estrada e sumir... “Pô, isso não é trepar, é uma aperreação... Ou coisa pior... Tá bestando, mulher? Que papo furado de carcará é esse?...”. No que Nazaré se recompõe: “desculpe a sua pretinha, Alêuzinho... Pelo Senhor do Bonfim... Não é culpa minha... É aquele mesmo canjerê de sempre... E isto me fez ver você andando num caminho de terra amarela e tendo um carcará como guia... Tinha que te falar disso... Acho que um dia, tua vida vai depender do que te falei agora...”. Misto de conformes sérios com idéias enroladas. Delicado som destoante. Palavras que esfriam uma trepada. No propósito de entornar o caldo. Elas não explicam nada. Contudo deixam Aleuzenev muito preocupado...

Beto Palaio

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