sábado, 24 de março de 2012

A primeira aparição de Carlos Lamarca neste folhetim remissivo.


ALÊU E A SEREIA (VI)

Nonada+notudo= Brotas de Macaúbas é uma pequena vila que fica ao lado do arraial de Canabrava. Um rio seco divide ambos os povoados. Brotas de Macaúbas é considerada uma excelente vila para se morar. Isto afirma quem já comeu muito pó da boa areia do sertão. Mas Brotas não seria eternamente confinada à boa paz, como se verá no depoimento que virá após o seguinte floreado: “Eia, a manhã promete piquenique... E você vem?”. Beira o bom e acertou-se de ir. E fomos àquela festa campestre de lambreta. Fazíamos caretas para a velocidade e o vento. Ela estava com uma blusinha de malha. O mar, neste dia, consentia de ser imenso. E numa laje de pedra, oculta da visão alheia, ficamos deliciosamente aquecidos pelo sol. O canto das cigarras nem parecia ser tão importante assim. Prá lá uns mutuns queixavam-se um do outro, e vice-versa. Éramos jovens e tentávamos descobrir tudo sobre o amor, a amizade, a família, a pátria e as religiões. Neste piquenique o mar até respingou em nós. E o dia foi passando ligeiro. O relógio do sol sinalizava suas imensitudes. Ao meio-dia. Na malhação. Notícias do Repórter Esso pelo radinho de pilha. O perfume é amargoso. Era véspera dos direitos humanos. Vai-se ao distorcido. Ao sistema da política opressora. Foi por essa época. 1968, 1969, 1970. Nos anos de chumbo. Na mão de carrascos descobriu-se que o cano da metralha não respeitava nem canudo de rábula. Entrelaçados no jogo de empurra-empurra. Um messianismo exemplar. Nas praticas mais obscuras do regime. O Brasil estava sendo dividido ao meio, entre os comunistas enrustidos e os militares sublevados. Neste dividir, uma parte da merenda estava sendo disputada por um clã de redemocratizadores. Inclusive por um ex-militar de carreira que agora comprara a briga de libertar o Brasil do terrorismo de Estado. Nascido para a fama de versões e controvérsias. Ao perseguir o ideal cubano. Esse militar, o Carlos Lamarca, era Capitão nas divisas perdidas, mas o maior terrorista do país nos lambe-lambes grudados em postes, viadutos e nas vidraças de agencias bancárias e autarquias. Dizem que um destemido nos modos de comandar quem estivesse por perto. Lamarca, no andar da carruagem, aportaria na Bahia com justos motivos de passar o recado da discrepância. Fatos tornados obscuros pelos estafetas de Brasília. O qual Lamarca quis transformar em libelo de uma nova Canudos, algo a ser decretado, entre os matutos do sertão nordestino. Claro, talvez, quem sabe? Achegava-se também ao nordeste. Apenasmente. Na busca de sua Yara, namorada do Capitão que estava num aparelhamento de esconde-esconde em Salvador. O Lamarca, inda que com orgulho de ferro, imaginava-se na ourivesaria da liberdade, e atuava como tal. Fosse ao que fosse. A motivação era para que os sertanejos, todos nós, tomássemos posse do Forte da Estrela, logo mais ao norte, no Cabuçu-do-Ceará, e de lá arredássemos qualquer ser vivente que se aproximasse pelo mar, num cabo-de-guerra, ou por terra, num trem militar. Em contrapartida o Capitão Lamarca viria desde o sul. Onde ele se amoitara na Mata Atlântica, e de lá comandaria o avanço, com rédea curta, aos poucos fiéis seguidores, um tanto quanto verdinhos, entretanto crentes na papelada reformativa, matutos de última hora. Todos estes são os escolhidos, os topados, os verossímeis, os agregados de seu exército particular. Para constar como exemplo de comando. Disseram depois que ele costumava, no frio da floresta chuvisquenta, reunir todo mundo em torno de uma providencial fogueira e deitar falação aos modos de um caiçara dos arredores: “meus amigos, o sertão vem de dentro. O que é nosso se respeita sozinho. A guerra não presta não. A guerra fede. Mas sem guerra nada vai mudar. Não até que...”. Esse “não até que” ficava no ar. Pedia uma solução. Que Lamarca logo arrematava para um entendimento de giz em quadro-negro: “malditos pelegos do exército. Gente estacionária. Vamos mudar isso. No tudo e no nada. Quem aqui morre pelo novo Brasil? E quem ousa lutar, não ousa vencer? Então vamos. Pois já não pertencemos à velha pátria...”. E Lamarca ficava assim discorrendo excelsitudes. Com o quente da realidade fervendo pelas beiradas. Providencialmente. Um sol que fazia tremer aquele exército de sedentos. Onde os melhores recrutas se defrontariam enfim. Bala com bala. Até que o Brasil fosse propriedade, sabe-se lá, de fato, se um dia será, aos reais brasileiros...

Beto Palaio

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