sexta-feira, 23 de março de 2012


Uma briga de rua sentencia Rodrigo Leonardo Pataca, o Rodrigão.


ALÊU E A SEREIA (V)


OrdemePro+gresso= Gozemos o mais possível, pois que conosco tudo se acaba; gozemos depressa, porque não sabemos por quanto tempo ainda existiremos. Gozemos apesar de tudo, gozemos de qualquer modo, cada qual por si; pois a felicidade neste mundo é tão invisível quanto passageira. No desdobramento de um efetivo intervalo. Um toque floreado de saxofone. A novela das oito é promovedora de farsa, ópera-cômica e sabão-em-pó. O final feliz é sempre muito encorajado. Naquele mar de antenas. Logo o suicídio de Rigina seria esquecido. Havia um ranço de parasitismo no ar. O lícito e o ilícito jogavam de mano em Salvador. Mas o castigo vem a cavalo. Rodrigão não perderia por esperar. Pois só o dono da pólvora tem a chave do paiol. No tim tim por tim tim. Apenas para os omissos. Aqui se faz, dizem, aqui mesmo se paga. Pois o belo canto e o desencanto nunca combinam. Acertado que sim, explica-se. Houve um outro crime na cidade. Após a missa de sétimo dia de Rigina ninguém mais pranteou por ela. Aí é que o bicho pega. Nessas aspirações de felicidade. Só sendo na Bahia para a gente justificar isso tão bem. Quando nas notícias há um sagrado sentido de ordem. Outras estórias. Nas ladeiras ao redor. A TV Philco mostra um astronauta afundando suas botas na lua. A publicidade é prima-irmã da filosofia barata. Na erraticidade é que o espírito progride. Com a bola verde-amarela ofuscando os campos do México. Nas faces juvenis. O progresso. O radinho de pilha, o fusca, o LP e o violão. As conversas de botequim. A Crush tomada no gargalo. E o povo descabido a sorrir. Burburinhos de felicidade. Quem perdeu o cabaço na escola das madres? Quem mastigou a óstia na Primeira Comunhão ? Quem roubou a agência do Banco do Brasil da Praça Castro Alves? Quem findou com dois tiros na cara? A vida é mesmo fofoqueira. É ruminante. É colossal em seus palpos-de-aranha. Para o devido aclaramento. A trança social logo vem e ilustra o transcrito no que tange a vingança do destino ao infiel Rodrigão. Eis, sucintamente, os fatos: a moça Maria Rosa, o pivô da tragédia, era uma criatura doce e recatada. Os conhecidos não podiam dizer dela um nadica de nada. Era chegada à Revista do Rádio, poemas sentimentais e agulhas de rendados. Mas Vidigal desconfiou da prima. Quis engendrar o causo de boca própria. Topou com Luizinha na praça. Em questão de minutos. Luizinha desdisse o que dissera antes. Forjou-se um acordo. Conversa vai, conversa vem. Entendera ela, por alto, que Rodrigão tinha culpa no cartório ao usar e abusar de Maria Rosa. “Aquela santa!”, como lhe disse Luizinha. Então Vidigal pedalou firme sua Calói em direção à casa de Tomás Jasão, o aprendiz de estiva. Havia entre Tomás e Leonardo Pataca, dito Rodrigão, uma diferença de jogo. Coisas do 21 e do pôquer. Contas mal resolvidas. E o tal Vidigal, ali, em futricas sem compromisso de solução. Muito embora, entretanto, no outro lado da praça, esse tal Rodrigão, por pura casualidade, orelha em pé, ouviu da vizinha que a Dona Maria, a mãe de Maria Rosa, não estava nada satisfeita com o procedimento da filha. E isto era mais do que cisma da menina não ser mais cabaçinho. Dizia que Maria Rosa com casamento marcado deu de soltar a franga, com vistas, quem sabe, a um possível descompromisso. Inclusive a vizinha disse que a mãe de Maria Rosa estava coberta de razão, pois o Compadre Zeca, um dia indo até a mercearia, ouvira dizer que o Delegado Carlão Sampaio também tinha comido e descomido essa menina Maria Rosa, e que, além disso, já ouvira dizer das taras do Rodrigão com ela. Ainda somou: “o abusado que não perdesse por esperar”. Mas Chiquinho e Alexandre, outros primos de Rosinha, a defenderam e, por fonte segura do primo Vidigal, saíram acusando Rodrigão da lambança sexual com a prima. Tudo por ela estar de casamento marcado com um estimado oficial de cartório chamado Reginaldo Bronha. Com os disparates como testemunha, foi prometida uma surra ao folgado do Leonardo Pataca. Tudo no bom embrulho da encomenda. Prontamente restrito a um sururu, com o Rodrigão, acuado e cercado, pelo pai e pelos irmãos de Maria Rosa. Ele, com intuito apenas de intimidar, até puxou de um revólver. E calhou de acontecer aquilo. No empurra-empurra todos tinham e não tinham razão. Foi quando a arma de Rodrigão vomitou dois tiros. Assim, dessa forma desastrada, findou que um Tenente-Coronel de nome Afonsinho foi tombado sem querer, com dois balaços no meio da cara. Morte prá lá de dolorida. Aos autos acrescenta-se: João Manuel, um dos vizinhos, testemunha da lisura de Rodrigão, aliás, Rodrigão nos documentos sendo mesmo, no completo, Rodrigo Leonardo Pataca. Este João Manuel, em frente ao juiz, tremeu. Disse outras estórias. Que ouvira dizer que Rodrigo Leonardo era até primo longínquo de Maria Rosa, o qual foi quem recebeu um caboclo, na ordem de um exu, e tentou acertar contas com seu despropósito, este sendo o Luizão, pai de Maria Rosa, mas que errara o tiro. Afirmou até que o Tenente-Coronel nem estava por lá. Só muito depois dos tiros que apareceu o corpo dele na praça. “E como é que o Senhor explica isto, Senhor Juiz?”. O Juiz não explicava nada. Nem tinha de explicar. Um Mestre-Escola foi chamado ao banco das testemunhas, um zeloso cidadão era testemunha de que Maria Rosa era quem ia, toda safada e por conta própria, à procura de Rodrigão. Os primos urravam no recesso. Vidigal até corou na platéia. Todo esforço de salvar a prima Rosinha estava desfeito... Recapitulando o nó-de-gato: uma certa vizinha forjou uma estória de que Maria Rosa, a prima, estava transando com o namorado Reginaldo, mas que na calada da noite era furtada pelo Rodrigão: “um zé-mané que não saía da porta de uma banca de birita na beira da praia”. Tomás Jasão, também primo de Maria Rosa, que devia um certo dinheiro para esse Rodrigo Leonardo Pataca, por ódio e em vista disto, mas também escorraçado pela moral titubeante da prima, acabou por atracar-se com Leonardo em frente ao bar do Conceição. A comadre Dona Maria, a mãe, que estava possessa na audiência pública, foi firme na acusação de que Rodrigo Leonardo Pataca seria o criminoso, entretanto deu um grito desconcertante da platéia: “Senhor Juiz, ele é inocente, a culpa é da sem-vergonha da minha filha!”. Inclusive Vidinha, uma puta assumida, também gritou pela inocência de Rodrigão. Mas o Juiz recebeu um bilhete lacônico de uma autoridade militar. Um “farinha do mesmo saco” que estava ali à paisano. Neste bilhete o milico graduado pedia, em ato extraordinário, a condenação sumária do réu por tratar-se de “crime contra o Regime Militar”. Então o Juiz, naquela noite, entendendo o recado daquele bilhete, avesso que era às intrigas da distorcida maçonaria dos militares, ordenou afrouxar a guarda do criminoso e este caiu na mão de belicosos torturadores. Ocorre que. Nenhum daqueles homens de alma negra. Por mais inventivos que viessem a ser. Jamais acreditariam na estória de que um decente militar fosse morto numa pendenga sobre a virgindade de uma sirigaita desatenta de seus guardados. “Ô cidadão!... Ô cidadão!”, perguntavam estes ao Rodrigão, no encontro esconso e medieval da tortura: “você fodeu com a prima ou com o tenente?”, isto vindo de um dos marmanjos militares que, com a mão na manivela, desferia 220 volts diretamente no saco de Rodrigo Leonardo Pataca. Mas foi Leonardo quem acabou mesmo por entregar os pontos. Não resistiu ao interrogatório. E num aperto mais prolongado, veio ao óbito. Ao depois, no bairro de Rodrigão, os ânimos se dividiram. Morte é morte, festa é festa. Rodrigão, sendo um Filho-de-Gandhi, recebeu sua justa homenagem. A rua de sua casa ficou tomada de atabaques, bancas de salgadinhos, birináites, flores e faixas de condolências. Disfarçadinha, a prima Maria Rosa foi até ali chorar e fazer entrega de um calhamaço de flores. Arrependida estava ela de haver sido o pivô daquela tragédia. Entretanto. No fundo, lamentava a perda de tão esmerado comedor de bocetas. Chorou na moita as suas mágoas. E aos poucos, no derredor do bairro a bairro, foi tudo voltando ao normal...


Beto Palaio

Um comentário:

Penélope de Esparta disse...

Passei para dizer que voltei. As letras sempre põem ordem ao caos =)
Saudade!