quarta-feira, 21 de março de 2012


Veio a calhar da Venezuela ser a pátria da rumba e do bolero.


ALÊU E A SEREIA (III)

AleuzENEV+VENEzuela= Pois Aleuzenev nasceu mesmo em Minas Gerais. Entretanto consta que nasceu em São Sebastião do Rio de Janeiro. Isto foi lavrado em Certidão. Com este fato ele é, ao mesmo tempo, um bicho-de-queijo e carioca da gema. Sua mãe sendo uma rumbeira de nome Rigina. A qual. Menina ainda. Vivia na Lapa. Palco do lirismo das letras de samba. Próximo ao Aqueduto da Carioca. Morando com uns parentes mineiros. Num regime restrito. A implorar por auxílio divino. Rigina na sua pobreza. Dividia seu colchão com sonhos e planos de melhorar de vida. Enquanto nas vidas cariocas. Com a década de quarenta desfilando guerras, boemias e sambas carnavalescos. Na Lapinha de então. Pelas ruas percorrem mil sujeitos escolados. Desocupados com gola engomada e cabelo esticadinho. Congregações de malandros no sapateado. Circulando entre gente de bem. Mergulhados em tênues trevas. Palpiteiros de jogo-do-bicho. Operários da estiva. Donas-de-casa apressadas. Normalistas de saias plissadas. Pais de família constritos e mulheres da zona oferecidas. Na Mem de Sá, Riachuelo e Lavradio. Para além da conta. De uma esquina para a outra. Um gigolô bacanaço sustentava o paletó no antebraço, seus sapatos brilhavam, engraxados que foram outra vez, e a mão direita, manicurada, viajava para cima e para baixo, levando e trazendo um cigarro americano. Nos baixios dos Arcos. Os malandros se pavoneiam. Cada qual com sua navalha enrustida. E o canto de ossãnha ladrando avarezas. Mas Rigina logo apresentou coxas. Posto que arredondou seus formatos dos quatorze em diante. Ela logo teve consciência de que o futuro só haveria de premiar quem ralasse dentro de uma repartição pública. Aplicou-se então nas aulas de datilografia. E por um nadinha preencheu uma vaga burocrática. Que a dona anterior, padecendo de furunculose, deixou à disposição da pretendente. Rigina suportou a mesmice dos quatorze aos dezessete. E depois virou a cabeça. Bateu asas para uma trupe de vedetes, acertadas de se apresentarem no Cassino da Urca. Naquele palco Rigina dançou rumbas e maxixes. Escolou-se. Conheceu homens de origens nobres. E, num zás, chegou-se aos ricaços. Gente finória de cabelos encerados na brilhantina. Na ruidosa companhia destes, ela saltitava de festa em festa. Rio, Capital Federal. Até que foi cercada por amigos e puxa-sacos do Presidente da República. Desejada foi Rigina até por políticos de fala mansa. Não demoraria nadinha para a mineirinha Rigina participar de reuniões festivas. Saraus onde brilhava o próprio Presidente. O qual lhe segredava que suportava certas jogadas ilícitas. Coisas próprias da política. Onde ora comprava gato por lebre. Ora batalhava a ferro e fogo, movido por pleitos renhidos. Assuntos de borbulhante champagne. Indo do inferno ao Éden num instante. E sendo este um pé-de-valsa, não tardou e se entreviam, liso em liso, ele com a menina Rigina, nos escondidos do Catete. E o Presidente estava mesmo caidinho por ela. Numa venturosa fotonovela de Grande Hotel. Quando jocoso, entre um uísque e outro, ele falava para Rigina: “nunca empobrece na vida quem ao governo cativa”. Para um legalista pouco é bocadinho. Daquelas palavras pouco Rigina entendia, mas mirava na risada do Presidente que o dito era coisa boa e também se ria com ele. Muitas vezes o fogo enrustido é a labareda dos pecados. Pois quem traz a virtude presa num cabrestilho se alvoroça com a proximidade do coito. Soma-se que uma andorinha só não faz verão, jacaré não é crocodilo e focinho de porco não é tomada. Assim Rigina requintou-se na abundante arte de servir. Na toada deste desregramento, tudo por um mixê, no que se diz, por dez mil réis de pastéis. Deste modo torna-se concubina de um homem que é azedo de cama e quarenta anos mais velho que ela. Rigina logo se contenta com este homem. O qual vê apenas uma vez por quinzena. Ele quase sempre dado a enxaquecas. Arrazoados que se interpunham entre o que ela sentia e o que o Presidente realmente lhe dava. No que se sabe. A brisa sopra aqui e acolá. E em breve surgiu a novidade: Rigina apresentou barriga após três meses daquele affair presidencial. Entretanto, numa ação canalha, a primeira reação do Presidente foi, para o presumível gáudio de Rigina, muni-la de um efêmero fundo de pensão. Depois disso providenciou para que ela voltasse para sua cidade natal que era Pará-de-Minas. Aos nobres intentos, a gestação é quase sempre mártir na ocultação de provas. Por estádios. Com o badalar dos nove meses. Pará-de-Minas providenciando sossego. Rigina acabou por dar a luz a um menino que batizou Aleuzenev. Tudo, nome e coisa, de trás para frente, vindo de sua idolatria pela nação Venezuela. Um sonhado país que ela julgava ser a pátria da rumba e do bolero, donde ela tomou emprestado o nome de seu filho. Assim Aleuzenev veio ao mundo nascido de parteira em Pará-de-Minas, mas registrado como filho de mãe solteira, em letras de ofício, na cidade do Rio de Janeiro. Tudo o que os procuradores oficiais, os cricris da lisonja, cuidaram e depois esconderam...

Beto Palaio

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