sábado, 16 de fevereiro de 2013



MAFUÁ CAVALHEIRO E AS FILHAS DE MARIA.

Sujo feito pau de galinheiro. Mesmo assim ele carregava andor em dia de procissão. Em fidelidade absoluta. Uma bereba purulenta nunca surge para alisar a cútis. Só a boa madeira aceita o prego sem rachar. Terrível era ter de agüentar as pavonices e manias de Mafuá Cavalheiro. Saísse ele com fulana ou sicrana ou beltrana. No dia seguinte a turminha do abafa se reunia no Salão Alvorada, como é conhecida a barbearia do Elias em Botafogo. Ali Mafuá não tinha freios na língua e deitava falação sobre usos e abusos que fazia, no escurinho, com uma eventual namorada. Atestava para os basbaques do Salão Alvorada que deflorara esta, ou que ensinara o boquete para aquela. No entanto. Nenhum destes abusos da decência ganharia adeptos, entretanto tinha ele uma seleta platéia de indecorosos. Mafuá era para estes um exemplo de orgulho, seguiam-no como se estivessem em esganiçada perseguição atrás de uma cadela no cio, aquela que surge pelas ruas da cidade sendo acossada pelos cães que buscam seu minuto de glória. Ao entendimento promíscuo. Há quem o defenda de jogar sujo como base segura para o futuro lustro político que Mafuá Cavalheiro iria adquirir. De fato Mafuá Cavalheiro andou um bocado de tempo se fingindo de besta, almejando a liderança do grêmio estudantil, apenas por desfilar diariamente com um livro de Nikita Kruschev embaixo do braço. Os militares estavam, por esta época, escondendo em cofres seguros à quem se atrevesse a promover as esquerdas. Um ato de heroísmo esse do Mafuá exibir que lia autores russos ao contento da galera geral. No entanto Mafuá nunca lera de fato o livro do Nikita Kruschev, assim como não lera o manual prático dos Sforzas, nem as máximas políticas em Maquiavel. Pois. Como tal. Ele era mesmo o rei da falsa brilhantina da cidade do Rio de Janeiro. Num chinfrim de não ter jeito. O máximo de uma carreira política, entretanto, Mafuá conquistou: a liderança estudantil, a vereança, o cargo de prefeito, a cadeira de deputado estadual, o posto de deputado federal e, finalmente, uma vaga no senado. Anos e anos ele movia palha para construir moinhos de vento. Uniu-se a um grupo de ocupação imobiliária para construir dentro dos domínios da Mata Atlântica. Um pente fino que ele passava na lavratura de documentos falsos para ocupar propriedades públicas. Com a experiência, Mafuá mandou desapropriar terras indígenas por toda Amazônia, tendo em vista os lenhos de mogno, cedro e peroba, para depois mandar passar tratores de arrasto, limpar a terra e jogar semente de grama para criar boi. Já por essa época Mafuá Cavalheiro só vistoriava suas posses vistas de cima, ao olho de águia, dentro de um de seus jatinhos particulares ou helicópteros. No entanto, para abuso geral das sacristias, Mafuá Cavalheiro não perdia uma só procissão organizada por ordem da Semana Santa. Ali ele desfilava de jaleco branco e rendado por sobre seus ternos de linho. Agora, passados tantos anos, estão todos se prestando a homenagear o passamento de Mafuá Cavalheiro. Durma-se com um barulho desses. Páginas e páginas de papel sulfite estão amassadas e jogadas no chão da redação. Adiado o prazo de entrega desta bendita homenagem para o Folhetim Carioca. Então ficamos ao telefone batendo um papo sobre a dita inspiração poética com o nobilíssimo escritor Tendão de Aquiles. Beleza colocada para dormir. Cantigas de ninar que se desdobra. O outro telefone da redação do jornal toca insistentemente. Uma prima nossa perguntou se era pertinente indagar a Santo Antonio se ela iria ou não se firmar em pacto de casamento. Ocorre que. Em santo dia de feriado, seja Corpus Cristi, Ladainha de São José ou Dia de São Sebastião do Rio de Janeiro, todos os anjos solteiros se sentem no direito de sonharem com um tapete vermelho que os entreguem do pórtico ao altar. Entretanto, respeitando a prima casamenteira e ao poeta Tendão de Aquiles, saltamos do tema da arenga literária para a obrigação jornalística de discorrer loas e broas sobre o cidadão pernóstico que foi Mafuá Cavalheiro. Mais uma folha de sulfite corre para girar no tambor da Remington. E o pensamento divaga numa improvável chamada de matéria: “pústula que não se debela com creolina não tem solução possível”. Mais uma folha de sulfite amassada é jogada ao chão. Acho que hoje não tem jeito. Não sou eu quem escreverá elogios ditos “de imprensa” em homenagem à Mafuá Cavalheiro.


Beto Palaio

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