sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013


 Volkswagen VW Hippie Flower Van Art Print Poster

PRECISA-SE...

PRECISA-SE DE ALGUÉM. Fazioli colocou esse anúncio no vidro traseiro de sua kombi. Embora não chamasse a atenção desse alguém que tanto procurava, nunca desanimou.  O PÃO NO FORNO. Um lembrete do dia que amanhece e perfuma a rua lateral da padaria. Fazioli estacionou sua kombi por ali enquanto se dirigia à porta principal para tomar café acompanhado de um pãozinho com manteiga.  MÚSICA AO LONGE. Ao piano o plim-plim de um pica-pau pimpão, um dejavú a mais para martelar cadências que permitam alcançar as larvas do besouro música. O momento apoteótico ardia em óleo de ferver violoncelos, marimbas, pianos, violinos e clarinetas. A QUEM INTERESSAR POSSA. Tchaikovsky tocava numa estação de rádio qualquer. Naquele momento o mundo parou para se espremer e passar pelo buraco de uma agulha. Fazioli era apenas uma criança e brincava no seu campinho de grama preferido. O som da Quinta Sinfonia de Tchaikovsky nunca mais deixaria de tocar na cabeça dele. NOCAUTE PELA ARTE. Assim como Julio Cortázar imagina que um conto é um texto que corre em poucas linhas e em alta narrativa capaz de nocautear o leitor pela energia altamente concentrada que possui, assim também acontece com a sinfonia de Tchaikovsky que faz com que o menino Fazioli imagine daquela música como sendo algo sagrado, um tipo de oração. TECLAS PARA LÁ, TECLAS PARA CÁ. Crescer não é necessariamente progredir. O progresso pressupõe fatores hereditários em uma nação que prestigia seu cidadão com chusmas de acenos lucrativos. Fazioli apenas cresceu, jamais progrediu. Esteve trabalhando como empregado em diversas empresas. Trabalhou na Steinway como separador de teclas de piano negras que eram enviadas a cada minuto para o setor de teclas brancas. Trabalhou na Fritz Dobbert como separador das teclas de piano brancas que eram enviadas a cada minuto para o setor de teclas negras. Trabalhou, finalmente, na Essenfelder onde sua tarefa era juntar as teclas negras e brancas para a manufatura de teclados completos para pianos. UMA KOMBI HIPPIE. Eis que Fazioli deixou de trabalhar para os fabricantes de piano. Ele andou um tempo de banda em banda: ia para a banda de lá, voltava para a banda de cá. Até que assumiu que os anos eram sessenta e ele tinha vinte anos de idade, algo mais que suficiente para ele comprar uma kombi e virar hippie. Os dias de folguedo e curtição estavam chegados. Manhãs de sol filtravam suas músicasdele e da brisaao agora gentil oceano e suas incansáveis marolas. Uma tarde, defronte da Candelária, ele apostou com Antenor Pastinha, um professor aposentado da UFRJ, de que ele, Fazioli, poderia passar um mês sem comer e ainda levantar dinheiro com isto. Depois ele iria atravessar a Cordilheira, rumo ao Chile, e moraria na kombi pelo resto de sua vida. O ARTISTA DA FOME. Isso ele aprendeu com K. um cidadão anônimo que ele conheceu lendo O Castelo. Passou fome por um mês inteiro. Ficou verde de fome. Depois se acostumou e se tornou um faquir. Deitou em cama de pregos, montou num burro brabo, comprou ações da Petrobras e, finalmente, com dinheiro bastante para milhares de cafezinhos acompanhados de pão com manteiga, ele rumou para a Cordilheira dos Andes. O DIABO NO MEIO DO REDEMOINHO. Fazioli foi para o Chile, mas não sem antes se despedir de Antenor Pastinha. O velho amigo Antenor, cabelo ralo e branco sobrando pelas abas do eterno chapéu de feltro, sabia tudo de vida encalacrada, sendo uma pessoa ajuizada, casada, alocada e carimbada. Antenor fez votos de que Fazioli deixasse de ser faquir e voltasse a ser o garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Mas veio um vento mais forte e levou embora a papelada que Antenor Pastinha carregava em sua pasta de couro negro. Antenor, o ex-professor da UFRJ, correu atrás da papelada e nem viu que no meio do imenso redemoinho que se formou na praça, um moço cabeludo entrara na kombi e zarpava para um outro espaço-tempo, rumo Cordilheira dos Andes. VARRE VARRE VASSOURINHA. Uma arrogância dura três anos. Um cão sobrevive a três arrogâncias. Um cavalo sobrevive a três cães. Uma pessoa sobrevive a três cavalos. Um tubarão sobrevive a três pessoas. Um ganso selvagem sobrevive a três tubarões. Um corvo sobrevive a três gansos selvagens. Um cervo sobrevive a três corvos. Uma pulga sobrevive a três cervos. Uma Fênix sobrevive a três pulgas. FILOSOFIA DA MONTANHA EM PÉ. O tempo é o passado somado ao presente, acrescido de um futuro apenas imaginado. O tempo para Fazioli não passava de jeito nenhum. De manhã à tarde o dia era sempre o mesmo. Até o ponto da exaustão. Quando um aldeão da fazenda de criação de chinchila que Fazioli comprou no norte da Argentina—sim, porque ele jamais atravessaria os Andes—esse aldeão lhe chamou atenção para uma questão crucial: uma montanha nasce de pé ou deitada? Parece incrível! Isso deixou Fazioli tão encucado que ele resolveu abandonar a vida campesina na Argentina—ao retirar sua velha kombi do galpão de feno—e voltar para o Brasil: “afinal, nasce ou não nasce em pé uma montanha?”. PRECISA-SE DE ALGUÉM. Fazioli colocou esse anúncio no vidro traseiro de sua kombi. Embora não chamasse a atenção desse alguém que tanto procurava, nunca desanimou....


Beto Palaio

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