sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013


MOISÉS E SARÇA ARDENTE

Há na crença mundial uma certeza de que tudo dará certo, desde que os astros se alinhem com um só propósito, que é o de nos servir. Em tempos ditos históricos, como uma pedra rolante, surgiria pelas terras da Mesopotâmia um andarilho, um homem deveras pobre e magro, na verdade um faquir oriundo dos altiplanos da Índia, diga-se apropriadamente, das encostas acidentadas do Tibet. Quem observava este homem pelas ruas de Al-Quedar não conseguia atinar os motivos dele aportar em terras desérticas e deveras distantes do seu verdadeiro lar. Ocorre que este santo homem procurava pelos indícios de Moisés e a Sarça Ardente, um mito que ele descobriu lendo escrituras tibetanas muito mais antigas do que a Bíblia. Neste misterioso livro, escrito em sânscrito, o yogui atingiu a sabedoria da busca quando leu este trecho: “os bosques são sombrios e falam, os campos são abertos e ouvem”. Em conseqüência disto, ao acampar a céu aberto, entre os rios Tigre e Eufrates, o faquir observou um fenômeno maravilhoso enquanto o sol se punha em direção ao Eufrates. Naquele exato momento ele compreendeu que a visão de Moisés abrangia a paisagem inteira de um país, sendo que, para isto, um formidável e portentoso rio se apresentaria inteiramente imerso em chamas. Eis enfim revelado o enigma dos enigmas. Quando várias interpretações adiante. O mito rende-se à beleza das matas tropicais no Brasil. Justo nesta ocasião. Uma réstia de luz vazava pelas árvores. Ali Sarça Ardente e Moisés, dois jovens enamorados, haviam andado um bom trecho de mata nativa. Vinham eles inaugurando sendas no verdal, ouvindo vozes ancestrais, saltando córregos, evitando touceiras fechadas de aroeiras. Ao derredor. Matos algodoados em cerrações a assoalhar o palco do balé perpétuo de tronco, galho, folha e flor. Cintilam neste dossel bandeiras azuis metalizadas das borboletas sertanejas. Aparteando o abençôo do coro de sagüis gritalhões, eis o pisca-pisca de lusco-fuscos ocasionais nas retumbâncias da mata cerrada. Então o aprisco de um campo repleto de  banana-da-terra, bem-te-vi, dente-de-leão, castanha-do-pará, brinco-de-princesa, copo-de-leite, maria-sem-vergonha, canário-de-topete, erva-de-passarinho, seriema-da-mata, espada-de-são-jorge, joão-de-barro e urubu-rei. Num repente Sarça Ardente quer descansar e se acomoda, feminina ao extremo, às franjas de um belo tronco de cedro-rosa. Neste momento a moça abre seu decote colocando à mostra seus belíssimos seios, fartos de alvura e convites. “Trata-me com carinho, fala-me com amabilidade”, ela pediu para Moisés coisas neste tom. Ele entretanto nem prestou muita atenção ao pedido. Naquele momento sua respiração ficou ofegante, principalmente quando sentiu, ao abraçar-se com Sarça, o roçar de seus belos seios nus contra seu peito. ‘Assim não, Moisés, calma, tá?”, ela lhe suplicou. Mas Moisés estava cego de desejo e avançou com as mãos, levantando o vestido de Sarça Ardente. Ele acaricia suas pernas enquanto procura sua boca para um beijo. Sarça no entanto se desvencilhou dele e desferiu-lhe um tapa no rosto: “seu idiota, você estragou tudo!”. No caminho de volta eles trilharam um longo trecho de mata sem conversarem. Súbito, Moisés passa por uma clareira aberta na mata e ao olhar para trás vislumbra todo corpo de Sarça Ardente sendo atingido pela luz do sol. Ele se maravilha com o que pensou ser um anjo iluminado pelo Altíssimo. Moisés sentiu-se um escolhido. Quis amar Sarça ali mesmo, mais uma vez. Desta vez ela o permitiu. Luz em luz, o amor do casal se fez. Sem o lúbrico incesto da carne a participar. Apenas o amor, esse faroleiro, prestava-se à guiá-los pelos caminhos corretos do agir. “Vamos, Sarça, vista-se... Já está tarde, precisamos ir...”. Os anos na moviola do tempo passam tão rápido quanto borbotões de cachoeira. Depois de aposentar-se Moisés lembraria as minúcias de quando se aventurava com Sarça por aquelas matas nativas e praias desertas. Ele ainda era um adolescente enquanto Sarça tinha uns cinco anos à mais que ele. Especificamente para o agora solitário Moisés, neste momento de lembrar, no dia, mês e ano que Sarça Ardente e ele começaram timidamente à namorar. Parece até que isso aconteceu apenas à uma semana atrás. Sarça veio morar na rua de trás da casa de veraneio dos pais de Moisés em Joázinho. Logo eles formaram um casal muito lindo. Namoravam certinho. Eram confidentes. Não desgrudavam um do outro. “Quando a luz se apresenta, o ninho se constrói”, era uma frase que Sarça ouvia de sua mãe, querendo dizer que “quem casa quer casa”. Ela e Moisés construíram o justo princípio desse ninho de amor, feito e refeito em luz, no dia em que passearam juntos, pela primeira vez, por dentro da mata virgem. Mas isso se contará bem ao meio do texto deste conto. Se julgarem apropriado, leiam tudo de novo...

Beto Palaio

2 comentários:

Maria da Graça disse...

E que a história de "iluminado amor" de Sarça Ardente e Moisés se repita para todo o sempre...Você fica entre a ficção e o sonho!! Gostei demais Beto!
Graça

Beto Palaio disse...

Que bom, Graça... A Sarça já é ardente por demais para não ser amor... Abs